quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

ORAÇÃO AO ESPÍRITO SANTO



ORAÇÃO AO ESPÍRITO SANTO




Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis com a vossa luz e acendei neles o fogo do vosso amor. Enviai o vosso Espírito, e tudo será criado. E renovareis a face da Terra. Livai-nos das ciladas do inimigo, dá-nos a tua paz, e evitaremos perigos e incertezas no caminho.

Esta imagem é da Festa do Divino nos Açores.

UM OLHAR SOBRE O DESVIO SOCIAL

UM OLHAR SOBRE O DESVIO SOCIAL

A partir da leitura de “OUTSIDERS”, reportei-me a outras leituras feitas, filmes e problemas vivenciados. A curiosidade sobre o assunto fez com que eu pesquisasse, encontrei na história do século XIX, o porque do rótulo de desviante, desvio social, diferenças e grupos sociais. Cheguei à conclusão que, além do Brasil, haviam outros países preocupados em desvendar estes problemas sociais tais como a criminalidade, prostituição, suicídios. Foram feitos estudos, levantamentos de dados até que chegaram a um consenso de que os crimes, a prostituição, o alcoolismo e outros comportamentos, já existiam há muito tempo.

Na ascensão da medicina social, a qual passou a estabelecer as práticas sociais tendo seus próprios conceitos, paulatinamente toda a forma de comportamento que não se enquadrassem nos padrões burgueses passaram a ser vistas como anomalias e desvios. Sendo assim, é possível afirmar que fenômenos considerados alarmantes e novos em fins do século XII não eram novos e nem alarmantes. Um desses fenômenos era o suicídio. As reflexões deste tema apontam que a sociedade moderna se baseava em relações impessoais, pressões econômicas antes desconhecidas, e uma mudança nos valores que ameaçavam a estabilidade dos indivíduos com a tentação de matarem a si mesmos. O suicídio foi inventado e passou a representar um problema que gerou diversas abordagens teóricas e práticas.

Já a prostituição e o crime, passaram a ser mais visíveis devido à urbanização e ao desenvolvimento das grandes cidades. Nos grandes centros urbanos era difícil ter um controle das atividades consideradas ilícitas; já nos vilarejos, a vida de cada um dos indivíduos era controlada pela coletividade.

Na década de 1820, na França, as estatísticas tinham um traço comum, passou a existir uma preocupação com tudo que fosse considerado desvio: suicídio, prostituição, alcoolismo, loucuras, crimes. Esta contagem gerou subdivisões e classificações, e as sociais transformaram determinados comportamentos e ações em alvo de contagem, classificação e controle. Fenômenos históricos e socialmente criados passaram a ser encarados de forma naturalizada, e cientistas viam no lugar de desempregado o vagabundo e o criminoso era encarado como um anormal nato ao invés de alguém que enveredara para o crime e não as circunstâncias sociais.

Dessa forma, todo desvio passou a ser considerado doença assim como o desviante passou a ser declarado um degenerado. O desvio era a consolidação de uma nova tecnologia de poder na sociedade. Foucault (1975) denominou-o de poder disciplinar um meio de intervenção e normalização social que foi responsável pela criação do desvio.

Foucault (2007) faz uma referencia também à sexualidade em seu livro “História da Sexualidade”, sendo ele um autor prolífico e tendo um pensar difícil, profundamente interessado nos aspectos micro-físicos e locais do poder e avesso à tentação de apresentar o Estado moderno como uma força unidirecional, unilateral e meramente repressora. Para ele, a repressão sexual, marca um complexo processo de transposição, para a esfera pública do discurso, de uma prática corpórea transposição, que atendia tanto ao Estado, por facilitar o controle do cidadão, e atendia ao individuo, por permitir que o próprio discurso sobre a sexualidade fosse sexualizado. A malta da sociedade longe de silenciar o debate sobre a sexualidade desloca – o ao mesmo tema “prazer” para o tema “norma”.

Um outro exemplo de leitura de Focault (1975) é a obra “Vigiar e Punir” que é uma denúncia do poder repressivo do Estado, ele retrata o Estado Moderno, como o qual deixou de exercer o poder de forma localizada e excessiva sobre o individuo para atuar através dele por meio de um amplo aparato no formato de escolas, igrejas, locais de trabalho e prisões, longe de despedaçar os corpos dos desobedientes, como se fazia antigamente tal aparato de individualização dirigida e observada. Tais referências servem de reflexão ao tema em análise.

No texto em análise, Becker refere-se ao termo outsiders para designar aquelas pessoas que são consideradas desviantes por outras, situando–se, por isso, fora do círculo dos membros normais do grupo. Este termo outsiders do ponto de vista da pessoa rotulada de desviante, também podem ser aquelas que fazem as regras de cuja violação ela foi considerada culpada.

Portanto, o ser humano emerge, no seu modo de ser, dentro de um conjunto de relações sociais, são as ações, reações, os modos de agir, as condutas, as censuras, as convivências sadias ou as ditas neuróticos, as relações de trabalho, o consumismo e até o modismo ditado pelos meios de comunicações, isto tudo constituem a prática, social e historicamente o ser humano vive em grupos. Eu diria que a sociedade em que vivemos esta separada por guetos, grupos rotulados como desviantes e outros grupos tidos como normais, e o desvio social está inserido no cenário relacional, uma vez que qualquer categoria seja ela de homossexuais, viciados, prostitutas e outros, eles não podem ser pensados isoladamente, mas apenas dentro de um sistema de oposições sociais, sendo assim desviantes e normais emergem como tipos que se afirmam contrastivamente, constituindo essencialmente, uma manifestação social. Sendo grupos organizados, eles sempre têm como argumentar a linha de pensamento seguida pelos seus componentes e com fundamentação, uma dita pelos homossexuais é a que “a homossexualidade é doença porque a heterossexualidade é norma social”. Becker diz que para estudar os comportamentos dos desviantes não bastam dados oficiais e estatísticas .

É necessário levar em consideração aqueles que impõem as normas ou formulam as acusações ao mostrar como tal indivíduo ou grupo vem a transgredir essa norma ou foi rotulado como desviante. Quem acusa quem é de quê? Esta é a questão que se deve impor ao pesquisador diante de um comportamento ou identidade socialmente proscritos. O desvio não é uma característica especifica de certas categorias de pessoas e o caráter desviante ou não de um ato depende de maneira segundo os outros reagem.

Um exemplo que Becker da é o de que os policiais não prendem todas as pessoas que cometem crimes. O desvio traduz uma fuga às normas fixadas pelos grupos sociais, mas para ser considerado como desviante é necessário também se tornar objeto de uma acusação. Na minha opinião o indivíduo que pratica uma atividade ilegal não significa nada em si, pois um roubo isolado não é o mesmo que altamente complexa atividade de roubar com freqüência. É necessário saber o que, de quem roubar e para quem vender de forma a tornar essa atividade conseqüente e lucrativa. Roubar é uma atividade que se aprende, em etapas.

Sendo assim, a pergunta sobre o que há de novo no desvio podemos responder a normalidade, pois esses termos relacionais surgiram a partir da consolidação da ordem social assentada numa tecnologia de poder que estabeleceu normas as naturalizou e fez com que todos os que não se enquadrassem nelas passaram a ser classificados como desviantes.

O desviante é rotulado pelo seu comportamento ao adotar uma conduta que não é compatível com os padrões da sociedade uma delas é ter o perfil de uma profissão que tenha as características que o identifique um exemplo um médico negro trabalhando no meio de um grupo de brancos foge as regras da sociedade dita normal, um homossexual como recepcionista que geralmente exercem a função de cabeleireiros.

Tudo isto faz com que eu lembre dos países culturalmente diferentes um do outro, pois recentemente assisti a um filme chamado “BORAT”, em que o protagonista do filme é um indivíduo do Cazaquistão que é enviado como repórter para filmar os Estados Unidos e vivenciar a cultura daquele país ele queria mostrar o que se fazia no Cazaquistão, mas sempre fazendo uma comparação entre um e outro, ele se sentia totalmente excluído dos grupos. O filme é uma sátira inteligente que mostra a política incorreta da sociedade americana. Por ele querer mostrar a cultura dele em outro país, o comportamento dele foi considerado fora dos padrões da sociedade na verdade um louco ou até mesmo um criminoso uma afronta as normas daquele país.
Refiro também Nietzsche (2008) no livro “As muitas vozes da solidão: de inimiga a amiga”, faz esta menção: “Para a nossa cultura, o homem sozinho, em contato consigo mesmo, é “mente vazia para a produção diabólica”, como dito pelo cristianismo; ou pode ser um potencial “perigoso” pois é terreno fértil para duvidar das “verdades” que os mecanismos de poder engendram: o saber, a economia, a cultura, o Estado, etc.
Nossa educação é toda baseada em sutis elementos que silenciam a singularidade. Somos educados para o gregário, para viver como iguais, gostar e fazer o que uma ampla maioria faz, reproduzir o já pensado, etc.; e mais do que isso, aquele que se destaca por alguma singularidade pode ser cogitado a sustentar uma condição de desviante, rebelde, anti-social, individualista (em sentido liberal) entre outros termos já bem compreendidos no itinerário da exclusão.
Este entretenimento como possível fonte de felicidade – não antes como uma forma de fuga desenfreada da solidão que é selada como a imagem do homem fracassado -, não cria e muito menos dá sentido à vida, não tem poder transformador e afasta o homem cada vez mais de si mesmo. O entretenimento da civilização moderna apenas condiciona homens e mulheres a seguirem ideologias, ordenha-os por supostos caminhos tidos como “corretos”.
O caminho da solidão de Nietzsche não é o caminho do homem que se isola dos seus semelhantes, é o caminho daquele que sabe que não há nenhuma essência no mundo que regula o “certo” e o “errado”, e portanto vai ao encontro consigo mesmo, ouvir o seu corpo, seus órgãos e seu intelecto, e descobrir uma vontade de potência que lhe possibilite uma relação mais legítima com a vida.
Entretanto, os diferentes incomodam os desviantes mais ainda. Eu fiquei apaixonada por este tema, ele fez com que eu refletisse um pouco mais sobre a sociedade, e ficam várias interrogações, Em que sociedade eu vivo? Em que contexto eu estou inserida na sociedade? Faço parte de que grupo? Agora eu olho o outro com mais atenção, respeito e principalmente os que estão no dito lugar de “DESVIANTE”. Lembro da minha amiga Salomé artista plástica que morou muitos anos no Cairo, e que quando voltou a cidade onde nasceu foi considerada louca pelo estilo de roupa que usava, ninguém conseguia entender o que ela falava por ter um grau de instrução superior, viveu em uma realidade diferente daqui e ao relatar suas experiências tudo ficava pior a vivência dela incomodava os amigos a sociedade logo tratou de exclui ela e no decorrer do tempo em que esteve aqui na cidade fechou – se em seu atelier a produzir sua arte que era toda comercializada nos Estados Unidos, muitas vezes fui tomar chá com ela e escutar fados da fadista Amalha Rodrigues, sentada cada uma em uma rede em sua sala, as paredes da casa dela por fora e por dentro eram pintadas por ela, a arte dela estava por toda a parte, no chão, teto e paredes, muitas pessoas não chegavam perto da casa de Salome pois ela era considerada louca pelo povo que diziam que o lugar dela era em uma casa para doentes mentais e assim foi a vida dela aqui na cidade fora daqui ela era considerada uma artista de renome.

Penso que não só os estudantes do Curso de Direito deveriam ter acesso aos livros de Howard S. Becker, mas sim todas as pessoas, mas não sei se entenderiam, pois passei este texto do Becker para várias pessoas de diversos níveis de escolaridade e de outros cursos e Universidades para lerem e darem uma opinião e nenhuma pessoa soube me falar do assunto; depois de lerem me perguntavam, por quê você estava fazendo leituras desse tipo, tão profundas e difíceis? E aí é que eu caí na realidade: já estão me rotulando, agora eu tenho que ver em que grupo eles vão me enquadrar na sociedade.



Agradecimentos:
Agradeço a professora Fernanda Osório do curso de “Direito” (DIREITO PENAL I ) pelo texto de Howard S. Becker “OUTSIDER”, considero ela uma professora arrojada que fez com que a partir desta leitura eu pesquisasse mais sobre o assunto, este é o perfil de uma professora atualizada com uma visão a frente de seu tempo, instiga o aluno a ir além das paredes de uma instituição educacional, que bom seria se pelo menos uma parte dos professores tivessem um pouquinho desta percepção de mundo.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

CULTURA, DIREITO E HISTÓRIA

CULTURA, DIREITO E HISTÓRIA





O homem, um ser racional, tem posse e utiliza a razão para refletir, emitir juízos, dominar e modificar a natureza, buscar conhecimentos técnico-científicos, elaborar conceitos e idéias. E todos esses atos do homem de conhecer, refletir e de raciocinar sobre os demais seres vivos, é expandida também a capacidade de conhecer e compreender a si mesmo. Como ser racional e pensante, transcende os limites impostos pelo seu corpo e cria novas realidades, novas coisas, e o mais importante o homem não se conforma com a sua pura e simples inserção no mundo, através da sua razão, e das determinações naturais, cria uma nova realidade, um mundo de cultura e valoriza assim a sua espécie.
O homem atribui sentido a tudo, mas não se contenta em estabelecer como devem ser as coisas ao seu redor. Assim, torna-se objeto de si mesmo e se transforma, ao negar sua essência puramente natural, naquilo que julga que deve ser através da educação,cultura e os seus direitos como cidadão em uma sociedade cheia de conflitos.
Segundo Roberto Lyra Filho, as palavras Direito e Lei, que se confundem em muitas línguas, até muito parecidas, mas que porém não possui a mesma significação. Diz ele que a Lei é instrumento, emana do Estado e portanto permanece ligado a classe dominante, aquela que controla o Estado. Nem toda lei então representa Direito, que será posteriormente definido, muitas delas representam pura e simplesmente interesses de determinados grupos dentro da esfera do poder. Cabe analisar essas leis e interpretá-las para que se entenda se sim ou não elas representam Direito. O Direito define o autor, é indicação dos princípios e normas libertadoras, são conquistas.

O Direito é fruto da obra humana e, portanto, construído gradualmente através da objetivação de determinados valores em um dado momento histórico. A historicidade do Direito, entretanto, nem sempre esteve clara. Esta tomada de consciência está diretamente relacionada com o historicismo, movimento que nasce no contexto do romantismo e que questiona o desprezo pelo material histórico e a possibilidade de dedução racional do Direito defendida pelo Iluminismo. A história foi, tradicionalmente, entendida como algo puramente contingente, o que inviabilizava qualquer análise racional. Será através do historicismo, especificamente em Hegel, que se demonstrará a possibilidade de conciliação de razão e história. Aplicar a razão à história, este foi o desafio hegeliano que encontra superação quando Hegel assume uma premissa em seu pensamento: a contradição não deve ser eliminada da história para que esta se concilie com a razão. Ao contrário, a contradição integra a história, é seu motor. Aqui, eis aberto o caminho para uma nova perspectiva de análise histórica.
No que se refere ao Direito, a sua compreensão como objeto cultural, enfim, histórico, se torna possível a partir desse momento. Não se trata, todavia, da assunção da idéia segundo a qual o Direito é construído aleatoriamente, como resultado de circunstâncias puramente contingenciais. A conciliação história-razão torna possível a tomada do Direito como
expressão de razão, como um revelar-se gradual da razão e, conseqüentemente, um realizar-se gradual da justiça na história.
A constituição surge como resultado desta concepção, como forma racional de limitação do poder político. A idéia de constituição não poderia surgir anteriormente. Enquanto a criação do Direito foi compreendida somente sob a perspectiva da necessidade histórica que imediatamente o produzia, ou ainda, enquanto o direito foi, assim como a história, tomado como algo puramente contingente, não foi possível a concepção de uma norma que, produzida racionalmente, fosse capaz de estruturar o Direito e o poder de forma racional. Enfim, não foi possível a concepção de um projeto cuja efetivação resultaria na figura do Estado de Direito.
A história do Estado de Direito, através de suas formas históricas, demonstra a constante evolução do Direito e sua maior racionalização por meio do reconhecimento dos direitos fundamentais. O Estado democrático se revela resultado deste processo histórico, a mais alta expressão de racionalidade em virtude do compromisso de conciliação definitiva da vontade política com os fins éticos, através não só da declaração ampla e irrestrita, mas também do compromisso de realização dos direitos fundamentais.

INTRODUÇÃO

Eis, em Lima Vaz, o grande paradoxo com o qual o homem se depara no seu esforço de construir um conhecimento totalizante: a filosofia é obra da cultura, é forma de saber racional que traz em si a pretensão de compreender e explicar o todo da realidade, dentro do qual está a própria cultura de onde procede.
Todo conhecimento, pelo simples fato de ser produto humano, é cultura. As ciências, nascedouros do conhecimento, não têm a pretensão de totalidade, típica da filosofia, se concentrando na investigação de um objeto determinado. Em virtude do recorte que as ciências fazem na realidade ao definir seu objeto de estudo, elas podem ser divididas em ciências histórico-culturais, ou ciências do espírito, e ciências naturais. Assim, em que pese serem ambas cultura humana, somente a primeira tem como objeto a própria cultura. Isso se deve a uma clássica cisão operada na realidade entre a natureza e a cultura. O mundo da cultura é o mundo construído pelo homem. Este não se contenta com as determinações naturais que transformam tudo no que deve ser e estabelece, através do seu julgamento, um novo devir para as coisas.Reale já observava que “a cultura não é senão concretização ou atualização da liberdade, do poder que o homem tem de reagir aos estímulos naturais de maneira diversa do que ocorre com os outros animais.”
Salgado esclarece que o homem, como no mito de Midas, atribui sentido a tudo o que toca, constituindo a sua obra, a cultura, e observa que ele não se contenta em atribuir sentido ao que lhe rodeia. No mundo da cultura, o homem nega a sua realidade natural e julga o que ele deve ser, transformando-se pela educação. O homem é obra de si mesmo.

O pensar humano pressupõe três etapas, a saber, o ser, a essência e o conceito. Entretanto, a processualidade do pensar varia de acordo com a natureza do objeto, cultural ou natural. Assim se diferencia o explicar, típico das ciências naturais, do compreender,

específico das ciências culturais. Dilthey deixa a questão esclarecida ao afirmar que a natureza se explica, a cultura se compreende.
As ciências naturais procuram explicar o seu objeto, isto é, buscar a causa, os nexos e as relações de interdependência pertinentes ao fenômeno observado, objetivando o estabelecimento de leis que explicitam estas relações de forma definitiva, posto que tais relações expressam necessidade, vale dizer, ocorrem necessariamente de uma tal forma. A explicação pressupõe uma total separação entre sujeito e objeto. Trata-se de um processo analítico que busca a captação da essência da realidade que será expressa no conceito.
As ciências culturais, que têm, portanto, como objeto a obra humana, visam a sua compreensão. Esta consiste na captação do sentido da totalidade da coisa, não havendo mais separação entre o sujeito e o objeto. A compreensão não é uma visão das coisas sob a perspectiva de seus nexos causais, mas sim, uma análise do objeto em sua integridade, buscando seu sentido, sua finalidade.
O Direito, enquanto fruto da obra humana, pertence ao mundo da cultura e, assim, é objeto das ciências culturais. Diferentemente das ciências naturais, regidas pelo princípio da causalidade, o fenômeno jurídico não conta com a exatidão decorrente da causalidade e, por isso, exige procedimentos diversos na sua análise.
Kant operou uma cisão na realidade entre o mundo do ser, passível de conhecimento apenas enquanto fenômeno através dos instrumentos dos quais se vale a razão teórica, e o mundo do dever ser, onde a razão prática, auto-suficiente, determina o agir humano, isto é, o mundo da liberdade.
Kelsen assume plenamente a cisão entre a esfera do ser e do dever ser, cisão absolutizada na afirmação de que do ser não pode derivar o dever ser e vice-versa. Ordem jurídica e ordem natural dizem, portanto, respeito a esferas diversas e, conseqüentemente, as leis que delas emanam têm natureza diversa. A prescrição expressa nas normas jurídicas – e não somente uma descrição – evidencia a sua natureza de construção humana, transformadora da realidade natural e formadora do mundo da cultura.

DESENVOLVIMENTO
O mundo da cultura e, portanto, do Direito, é um mundo construído gradualmente, marcado pela alteração de valores preponderantes que são objetivados num dado momento histórico. Para Recasens Siches, é mediante a cultura que se dá a efetivação de valores até então tidos como ideais. Estes valores, no entanto, não são constantes. Toda obra cultural tem uma significação circunstancial, isto é, nasceu de uma situação histórica para atender às necessidades humanas daquele momento.
Também o Direito adota e realiza valores considerados preponderantes num dado contexto histórico. Não só a assunção de valores caracteriza o objeto cultural. A ordem jurídica é construída gradualmente e sua evolução depende da comunicação das conquistas de cada geração. Esta transferência é fator típico do mundo da cultura. Há uma intrínseca relação, segundo Bodenheimer, entre a evolução civilizacional e a evolução do direito. O ponto alto do direito romano, por exemplo, corresponde ao ponto alto da cultura romana, a era de Augusto. O direito é importante instrumento de civilização.
A evolução e a constante absorção de valores ressaltam a historicidade do direito enquanto fruto da cultura humana. Tal aspecto, entretanto, foi contestado por alguns, como Spengler, que tomou a evolução de cada civilização como um ciclo cerrado. Em que pese a evolução geral da humanidade, cada civilização segue o mesmo trajeto de desenvolvimento. Todas precisam passar pelas mesmas etapas de desenvolvimento, cada uma a seu modo, conforme seu espírito, do nascimento até a sua decadência. “O ato já produzido de um (povo) não pode ser vivificado pelo outro, senão infundindo-lhe este sua existência.” Assim, toda experiência humana se desenvolve como organismos biológicos.
A cultura e também o Direito são essencialmente históricos. Tal característica foi ressaltada pelo historicismo que, rompendo com a tradição iluminista, abre nova perspectiva. O historicismo surge no contexto do romantismo europeu. O romantismo é marcado por uma reação à ilustração, opondo o sentimento à razão, a concepção de Estado

como um todo orgânico à de Estado como resultado de um contrato. Assim, o historicismo representa uma reação ao racionalismo que, ao empregar o método dedutivo, demonstra desprezo pelo material histórico.
O historicismo, sob quaisquer formas de manifestação, seja político, seja historicismo filosófico e, especialmente, na figura da Escola Histórica do Direito, tem papel fundamental na mudança da concepção do Direito, afirmando, de forma irrevogável, a sua historicidade, posto que fruto da cultura.
Para Savigny, representante da Escola Histórica do Direito, o Direito nasce do povo, está na consciência popular. O Direito, assim, seria algo extremamente enraizado no passado da nação e tem como fontes verdadeiras o costume, a crença popular e a consciência comum do povo. A função do legislador é dar existência exterior ao Direito. As instituições se baseiam na história e na tradição dos povos. É um equívoco querer mudá-las através de raciocínios abstratos. O direito, como a linguagem, é produto de um lento desenvolvimento do espírito do povo e não de uma vontade arbitrária.
O destaque à história já é patente na filosofia de Hegel. Se Hegel, por um lado, se aproxima do jusnaturalismo ao conferir um status privilegiado à razão, por outro se distancia dele, na medida em que nega a existência de direitos imutáveis deduzidos pela razão. A razão se revela na e através da história.
Lima Vaz explica que há uma característica comum a todo historicismo. Nele, ethos, cultura e história são os três conceitos que, articulados, constituem a estrutura do paradigma historicista:
“A história tem na cultura sua face propriamente humana, oposta à contingência e ao aleatório dos fatores naturais, a cultura tem no ethos suas razões normativas e sua teleologia imanente. Pensar a articulação desses três conceitos na forma de uma filosofia da história, tal o desafio que (…) passa a ser o motivo dominante do vasto e complexo movimento de idéias que compreende o Romantismo

Salgado observa, contudo, que a filosofia de Hegel não se concilia com o historicismo jurídico. Este toma a irracionalidade como fonte do Direito traduzida nas

idéias de costume e espírito do povo que nada mais são que um sentimento. Este espírito não se assemelha ao conceito hegeliano. Para Hegel, o espírito é a razão na história.
A racionalidade está no próprio movimento da história, não se separando da realidade. A razão não é algo externo que estabelece como deve ser o Direito, como acreditou o jusnaturalismo, mas é elemento do próprio ser do Direito que se revela através da cultura. Assim, em Hegel, o Direito é produto da sociedade cuja história tem a razão como algo imanente. O Direito é eminentemente histórico e, portanto, cultural.
Recasens Siches esclarece que, em Hegel, o espírito objetivo, isto é, a cultura, desenvolve-se dialeticamente. O autor ressalva, no entanto, que a cultura é o espírito objetivado. Se se concebe a cultura como obra ou expressão de um espírito objetivo, ou uma alma coletiva, o sujeito individual fica relegado ao segundo plano, como um meio a seu serviço. A cultura é obra humana, não vive por si e não se transforma por si mesma. “La caracterización de los productos humanos como vida objetivada es una caracterización ontológica es decir, es un intenso de definir el modo de ser de la cultura.”

A idéia de evolução trabalhada por Hegel constitui o núcleo da doutrina de Sumner Maine. Também Spencer procurou descrever a evolução do Direito e da civilização no decorrer histórico. O que há em comum entre Hegel, Spencer e Maine é a idéia de que o avanço civilizacional se dá com o crescimento da liberdade. Para estes autores o Direito é produzido por uma evolução cultural que leva à maior efetivação da liberdade.
A concepção histórica do Direito possibilitou a afirmação peremptória do mesmo como produto humano, fruto da cultura e, simultaneamente, a conciliação definitiva entre Direito e razão, posto que, quanto mais racional, mais apto a realizar a liberdade, a justiça. A evolução do Direito implica, portanto, num crescente processo de racionalização.
O movimento de constitucionalismo é símbolo desta evolução. Ferreira Filho ressalta a importância do iluminismo neste processo ao demonstrar que, antes dele, “ninguém ousou afirmar que o homem pudesse modelar essa organização Estado segundo
um ideal racionalmente estabelecido. Até então se considerava que essa organização era necessariamente fruto da história.”
A ligação entre Direito e razão, contudo, não se dá de forma imediata, como quiseram os jusnaturalistas, mas pressupõe a mediação da história. O Direito é essencialmente histórico e a história, processo de revelação da razão.
O constitucionalismo, segundo o professor José Luiz Borges Horta, é um fenômeno típico do Estado de Direito, pois se traduz num esforço para racionalizar juridicamente o exercício do poder político. A história do constitucionalismo é uma constante busca pelas limitações do poder absoluto. O constitucionalismo inaugura uma nova concepção de estruturação e função do Direito e uma nova fase na história do Estado. Através da ruptura com o Estado Absolutista pela submissão do poder político ao direito, nasce o Estado de Direito.
A história do Estado de Direito, entretanto, tem início antes mesmo do seu surgimento histórico. Assim, a sua compreensão pressupõe uma análise que remonta à gênese histórica do próprio Estado.
Para Salgado, a história da cultura ocidental, simbolizada pela complexa relação entre poder e liberdade, pode ser dividida em três momentos fundamentais: o período clássico ou Estado ético imediato, onde o poder se justifica em função do fim do Estado - a perfeição ou bem do indivíduo no Estado Grego, a garantia do direito de cada um, o justo, no Estado Romano; o período moderno ou Estado técnico, no qual o poder é considerado em si mesmo, havendo apenas justificações técnicas para se alcançar e conservar o poder (Maquiavel); e o período contemporâneo ou Estado ético mediato ou, ainda, Estado de Direito, onde o Estado se justifica pela sua origem (consentimento), sua técnica (procedimentos pré-estabelecidos) e sua finalidade, essencialmente ética (declaração e realização de direitos fundamentais). Assim, a justificativa do Estado de Direito se dá em três momentos, na legitimidade do poder que se refere à origem, ao exercício e à finalidade, na legalidade e na justiça, através de sua relação com o indivíduo com vista à realização da liberdade na esfera pública e privada.

É preciso destacar, contudo, que a história do Estado de Direito não se finda com a simples superação do Estado técnico, mas sim, se inicia, em que pese suas raízes que remontam à Antiguidade.
Desde a formação do Estado moderno o direito passa a ter como fonte primordial a vontade soberana. Tal fato leva a uma necessidade absoluta de justificação desse poder. Assim, surgiram as teorias contratualistas que procuraram fundamentar o poder soberano na autonomia da vontade decorrente do contrato:
“Na sua forma abstrata de criação do direito não é suficiente, pois fundado por um conceito abstrato de liberdade como autonomia no momento de constituição formal ou meramente lógico-formal do pacto. Para que possa gerar um direito válido não basta essa origem formal, mas se exige a reflexão racional do conteúdo desse direito; isso significa o encontro dos valores a serem como tais declarados e sua atribuição como bens jurídicos às pessoas.”
O Estado de Direito, como se vê, não se limita à justificativa formal do poder soberano de onde provém o Direito. Mais que um fundamento na autonomia da vontade – que serve tanto ao Estado de Direito quanto ao Estado despótico – busca-se a realização concreta do valor absoluto que homem expressa, a sua dignidade.
O Estado Liberal apresenta uma nova estruturação de Estado, em oposição à estrutura absolutista, posto que tem seu poder limitado, vale dizer, tem o poder político submetido ao Direito. O século XVIII, com suas revoluções e a conseqüente promulgação de constituições, dá início a uma nova fase na história do Estado que terá como características primordiais a limitação do poder através do Direito, bem como o gradual reconhecimento de direitos fundamentais.
O Estado Liberal, no dizer do Prof. José Luiz Horta, se revelou uma grande conquista, na medida em que a vontade humana diretora do poder foi substituída e submetida à vontade impessoal das normas. O Estado Liberal se mostrou como modelo histórico que se aproximava da idéia de democracia. No entanto, as novas exigências
Também o reconhecimento dos direitos fundamentais pode ser considerado uma limitação ao poder político, uma vez que vincula o poder a uma finalidade pré-estabelecida, cuja realização exige uma ação ou uma omissão do Estado. Assim, o Estado já nasce com um objetivo a ser atendido, como preconizara Locke, para o qual não cabe discussão ou descumprimento.
desencadeariam a longa passagem da democracia governada, na qual há primazia da liberdade individual, da autonomia, até a democracia governante, ponto de chegada do processo histórico do Estado de Direito, onde a liberdade de participação tem prevalência.Esta passagem, contudo, não se dá sem intermédio do Estado Social.
O Estado Liberal havia sido fruto das revoluções burguesas e, portanto, assumia seus ideais e valores, os quais, com o tempo, se revelaram insuficientes para a maioria da população. Ademais, o próprio desenvolvimento econômico e seus reflexos sociais evidenciaram a necessidade de transformação do Estado que, em função dos novos valores reivindicados, adotaria uma postura intervencionista. Os direitos fundamentais agora reconhecidos pelo Estado exigem uma atuação efetiva do Estado para sua concretização, diferentemente do que acontece com os direitos individuais, direitos que pressupõem, via de regra, a omissão do Estado para se efetivarem.
Não se pode ignorar, entretanto, que o Estado social foi sucedido, em muitos casos, por Estados totalitários que exacerbaram o caráter intervencionista, desconstruindo a estrutura jurídico-política vigente. A expansão do poder executivo exigida para que o Estado atenda a sua nova função, por si só, já põe em risco a estrutura do Estado de Direito. Fato é que o Estado social oferece solução à insuficiência do Estado liberal, resolve os conflitos sociais através da satisfação das necessidades, mas não é capaz de evitar o totalitarismo, uma vez que seus ideais são compatíveis com a centralização de poder. Vale lembrar, ainda, que muitas denominações, como Estado Social e Estado de Justiça Social por exemplo, foram utilizadas por Estados cuja estruturação não tinha nenhuma correspondência com o Estado de Direito.
O Estado de Direito, por sua própria natureza, é incompatível com a ditadura, não só em virtude da sua processualidade, que submete a atuação estatal ao Direito, mas também em virtude dos próprios valores que acolhe.
Isso não significa, entretanto, que a burguesia tenha sido a única beneficiada com as conquistas do Estado Liberal. Estas foram conquistas universais, o que significa dizer que toda a sociedade, e não uma classe apenas, se beneficiou.

O Estado democrático de Direito dá origem a uma nova era. Ele proporciona à democracia um caráter universalizante, posto que se funda na efetiva partilha de poder entre os cidadãos.
“O Estado democrático de Direito realiza a unidade da processualidade formal da convergência de vontades sem conteúdo (…) e da processualidade do conteúdo ou do real, segundo um princípio de racionalidade imanente à cultura, expressa e materializada essa processualidade ideal (racional) nos valores fundamentais postos como direitos.
Assim, o Estado democrático se revela como mais eficaz na garantia dos direitos humanos, não só porque transcende a mera participação formal dos indivíduos típica do Estado liberal, através da efetiva partilha do poder entre os cidadãos, mas também porque reconhece de forma universal, e não apenas no âmbito intra-estatal os direitos fundamentais.
Lima Vaz explica que a democracia é expressão da mais alta forma de organização política da sociedade e, portanto, se desdobra em ideal e necessidade histórica. A superioridade do Estado democrático frente ao despótico se mede não pela utilidade ou eficiência, mas pelo bem maior, mais perfeito. Tal superioridade pressupõe a consideração de uma essência ética no político, isto é, uma íntima ligação entre dois elementos que, contrariando a articulação já feita por Aristóteles entre ética e política como ciências da práxis, são tomados frequentemente como antagônicos, incompatíveis: “Ao contrário do que pretendem os esquemas mecanicistas da moderna filosofia política, o espaço político não se estrutura fundamentalmente como jogo de forças, mas como hierarquia de fins.”
O Estado democrático se revela historicamente como síntese dos dois momentos anteriores. Não se trata de uma mera junção das características liberais e sociais puramente. A síntese pressupõe a superação dos Estados que o antecederam, embora fiquem resguardados alguns de seus traços. O Estado democrático não só assume direitos individuais e sociais conquistados anteriormente, como também declara outros direitos fundamentais, além de buscar sua efetivação universal.
A história do Estado de Direito cujo ponto de chegada é o Estado democrático é, portanto, uma trajetória onde as conquistas de cada momento são agregadas ao momento
posterior, sem que haja necessidade de renúncia a um valor para atendimento de outro. Isso explica porque o Estado social, por exemplo, continua a conservar o valor da liberdade revelado no Estado liberal a despeito da sua conformação e do seu perfil interventor. Neste sentido, explica Nelson Saldanha que
“Não se trata, convém salientar de imediato, de uma permanência do liberalismo enquanto “ismo”, ou seja, regime, ou mesmo doutrina, tal como nos séculos XVIII e XIX. Trata-se da persistência de valores: do valor da liberdade, do valor controle-dos-atos-estatais, do valor garantia-de-direitos, do valor “certeza jurídica.”
A estrutura do Estado democrático garante-lhe uma legitimidade maior que aquela encontrada nos Estados liberal e social. A universalização da participação no poder permite um reconhecimento da validade deste poder mais ampla, atingindo não só a sua criação, mas também o seu exercício. O contratualismo do período moderno, através da idéia de autonomia, estabelecia uma legitimidade apenas no que se referia à criação do Estado. A participação efetiva no poder garante a substituição da legitimidade meramente formal pela legitimidade efetiva.
Essa mudança, entretanto, não significa abandono da idéia de autonomia, pressuposto inexorável para a legitimação de um dado Estado e do poder político que nele se estrutura. Fato é que a autonomia da vontade no contratualismo é vazia de conteúdo, em que pese a sua evocação na esfera política para a justificação da existência do Estado. Autonomia é capacidade de autodeterminação, isto é, capacidade de legislar para si mesmo. Nesse momento, entretanto, ela se traduz e se limita à aquiescência da vontade individual no que diz respeito à constituição do Estado. A autonomia aqui é puramente formal, posto que se extingue, enquanto autonomia no seu exercício público, no momento subseqüente ao contrato e, com isso, dá origem a uma legitimidade formal apenas. Isso explica como um Estado que tem origem na vontade livre de seus cidadãos pode assumir a forma absolutista.
O Estado democrático conserva tal pressuposto, vale dizer, ainda assume a idéia de que a constituição do Estado se dá nos moldes da vontade de seus cidadãos. Não se contenta, entretanto, com essa legitimidade formal, insuficiente e busca uma autonomia da vontade plena de sentido e de efetividade. Desta feita, a autonomia da vontade se estende também ao momento posterior à criação do Estado através da participação dos cidadãos no
governo do Estado. No dizer de Höffe, a democracia é um dos princípios fundamentais da justiça e se traduz no imperativo de instituição de um governo do povo e para o povo.
É em função desta estruturação e da conseqüente legitimidade que o Estado democrático se mostra mais próximo da idéia de Estado de Direito que as formas anteriores. A vontade impessoal da lei que governa o Estado desde o início da história do Estado de Direito encontra seu ápice neste momento, onde se torna correspondente à vontade de seus cidadãos.
Na democracia, o poder se mostra quase palpável, extremamente visível, exposto, fato que poderia até gerar certa estranheza, já que a idéia de visibilidade, concretude do poder sempre esteve mais ligada a Estados totalitários. Como explica Bobbio, “o poder autocrático não apenas esconde para não fazer saber quem é e onde está, mas tende também a esconder suas reais intenções no momento em que suas decisões devem tornar-se públicas.” O poder democrático, enquanto expressão da vontade de seus cidadãos, pressupõe publicidade como forma de controle da correspondência entre a condução do Estado e a vontade dos indivíduos a ele submetidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão da evolução do Direito pressupõe dois elementos fundamentais, a admissão do direito como obra humana, histórico, portanto, e a afirmação da história como lugar onde a razão se manifesta. Não se trata de um processo linear onde apenas se acumulam progressos, mas sim de um movimento que, a despeito dos avanços e retrocessos, aponta sempre para o melhor, para a maior concretização da liberdade. A história da humanidade só é possível pela reconciliação da necessidade com a liberdade. Para Kant, a liberdade era o fio condutor da história. Também Schelling buscou tal conciliação:
“Essa identidade do livre arbítrio e da necessidade é o que permite […] reencontrar seu absoluto na história e ver, nela, não somente uma obra dos
homens sem eficácia permanente, mas uma manifestação ou revelação do próprio absoluto.”
Hegel faz, definitivamente, a síntese de razão e história, entendida está como processo de revelação do Espírito. Isso implica na consideração da história não como uma sucessão de fatos aleatória, mas interligados pela inteligibilidade de seu dever-ser.

A revelação da razão na história, identificada pelo gradual reconhecimento e efetivação da liberdade, fica clara na análise do Direito e do Estado. Assim, surgirá a idéia de Constituição, como instrumento de racionalização do Direito e do poder através do qual os direitos até então tomados como puramente naturais (concepção jusnaturalista) ganham reconhecimento e efetivação pelo Estado. A constante ampliação destes direitos corresponde às etapas que o Estado de Direito, na sua constante conciliação com a ética, atravessa ao longo de sua história. Assim, à luz da declaração de novos direitos, assume perfis diversos, a exemplo do que ocorre no Estado liberal e social.
O Estado democrático promove a consagração dos direitos fundamentais, através de um reconhecimento universal. Ele constitui a mais alta expressão de racionalidade na história do Estado de Direito, pois através da declaração e da efetivação desses direitos, busca a realização do valor absoluto que só o ser humano - racional e, portanto, livre - é capaz de expressar, a dignidade humana.
Se a cultura é o meio pelo qual se dá a objetivação dos valores assumidos pelo homem, o Estado democrático e toda a história que o antecede e o oferece como resultado à humanidade apenas reafirmam o caráter de obra humana e, portanto histórico, do Estado e do Direito e evidenciam a inexorável relação entre história e razão, explicitada no avanço de ambos através da gradual conquista da liberdade. Reale enfatiza, também, que a história não pode ser imaginada como algo acabado e que a própria categoria do passado só existe na medida em que haja possibilidade de futuro.

(...) Qualquer conhecimento do homem, por conseguinte, desprovido da dimensão histórica, seria equívoco e mutilado. O mesmo se diga do conhecimento do direito, que é um expressão do viver, do conviver do homem.

Pensar, porém, o homem como ente essencialmente histórico, é afirmá-lo como fonte de todos os valores, cujo projetar-se no tempo nada mais é do que a expressão mesma do espírito in acto, como possibilidade de atuação diversificada e livre.

REFERÊNCIAS
Horta, José Luiz Borges. Horizontes Jusfilosóficos do Estado de Direito. Universidade Federal de Minas Gerais, 2002 [Tese]


Hyppolite. 1999, p.44
Lima Vaz. 1999, p. 379

Saldanha. 1986, p.76


Salgado. 2004, p. 50
Lima Vaz. 2092, p. 344


Lima Vaz, Henrique Cláudio. 1997, p. 83
Reale, Miguel. 2002, p. 244
Notas de aula do Curso de Hermenêutica Jurídica oferecido pelo Professor Dr. Joaquim Carlos Salgado no Programa de Pós-Graduação da FDUFMG no primeiro semestre de 2002.

BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Trad.Marco Aurélio Nogueira. 9ª. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
BODENHEIMER, Jurisprudence. New York: McGraw-Hill, 1940.
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
HYPPOLITE, Jean. Gênese e Estrutura na Fenomenologia do Espírito de Hegel. Trad. Sílvio Rosa Filho et. al. 2a. ed. São Paulo: Discurso Editorial. 1999.
HÖFFE, Otfried. A Democracia no Mundo de Hoje. Trad. Tito Romão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
HORTA, José Luiz Borges. Horizontes Jusfilosóficos do Estado de Direito. Universidade Federal de Minas Gerais, 2002 [Tese]
LIMA VAZ, Henrique Cláudio. Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura. São Paulo: Loyola, 1997.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio. Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica 1. São Paulo: Loyola, 1999.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio. Ética e Direito. São Paulo, Loyola, 2002.
Notas de aula do Curso de Hermenêutica Jurídica oferecido pelo Professor Dr. Joaquim Carlos Salgado no Programa de Pós-Graduação da FDUFMG no primeiro semestre de 2002.
Notas de aula do Seminário Hegeliano Superior, oferecido pelo Professor Dr. Joaquim Carlos Salgado no Programa de Pós-Graduação da FDUFMG no primeiro semestre de 2006.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
RECASENS SICHES, Luis. Tratado General de Filosofia del Derecho. 5a. ed. México: Porrua, 1975.
SALDANHA, Nelson. O Chamado “Estado Social”. Revista Brasileira de Estudos Políticos. n.72, jan. 1986.
SALGADO, Joaquim Carlos. Estado Ético e Estado Poiético. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. v. 27, n.2, abr/jun 1998
SALGADO, Joaquim Carlos. Globalização e Justiça Universal Concreta. Revista Brasileira de Estudos Políticos. n.89, jan/jun 2004
SPENGLER, Oswald. A Decadência do Ocidente. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A questão da implementação dos Direitos Econômicos, sociais e culturais. Revista brasileira de Estudos políticos. N.71, p.7-55, jul 1990

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

OS MOÇANBIQUES NO MUNICIPIO DE OSÓRIO

Participam do grupo mais de 30 pessoas, descendentes de africanos, da sede de Osório,Capão da Canoa, Maquiné e das localidades de Praínha e Pinheiro. Fazem parte do grupo: a Rainha Ginga, o Rei Comgo, os pajens que acompanham o Rei e a Rainha Ginga,a chefia da gerência, a vara dos dançantes, e também os capitães-de-espada,o capitão-chefe e o capitão da bandeiras.Os Moçambiques usam roupas brancas, os pés descalços, um gorro e uma espécie de avental branco.Cada fila é identificada por fitas azuis ou vermelhas que trazem nas roupas,nas pernas usam guizos que são feitos com um cilindro de taquara com sementes. São as maçaquaias para dar ritmo às cantigas.
Os negros de Conceição do Arroio(Osório), como todos os outros negros do Brasil, perderam quase toda a sua cultura, inclusive sua língua, mantendo apenas um pouco da religião e autos folclóricos, aqui denominados Moçambique ou Quicumbi, sendo esta a última manifestação dançante semelhante à do Moçambique.
Moçambique é uma forma de dança de cortejo, cujo enredo,é a representação de um combate simbólico, tendo como centro a rainha ginga. O auto folclórico Moçambique é uma manifestação sócio-cultural-religiosa, criada pela raça negra, com o intuito de preservar suas origens em ambientes diferentes nos quais viviam na África, há quase 400 anos.
As danças, as roupas, o ritmo, as letras de suas músicas foram criadas aqui no Brasil, mais especificamente, no município de Osório, quando ainda se chamava Estância da Serra.
Inicia - se o auto folclórico sempre com a largada das bandeira, e o levantamento do mastro;depois seguem-se as novenas.
A Rainha Ginga é personagem histórica, sendo conhecida a luta dessa Rainha de Angola, que viveu de 1581 a 1663.
Para assumir o trono, mandou matar o Rei de Angola, seu irmão, que por sua vez, teria mandado assassinar o filho da Rainha Ginga, seu seu herdeiro no trono.
A Rainha Ginga combatia os invasores portugueses. Mas ora a eles se aliava, ora aos holandesses contra os portugueses.
A Rainha Ginga chegou a converter - se à religião católica, recebendo o nome cristão de Ana de Souza. Mais tarde renegou a nova fé e expulsou os portugueses invasores de suas terras. Apossou - se do reinado do Congo, fazendo - o dependente da sua vontade.

Nossa Senhora do Rosário

A festa de Nossa Senhora do Rosário, juntamente com os Moçambiques, realiza - se anualmente, na Igreja Matriz em Osório, no mês de outubro.Durante quatro dias o município torna - se sede de uma das manifestações folclóricas mais antigas do Brasil.

OS MOÇAMBIQUES NO MUNICÍPIO DE OSÓRIO

Em 24 de abril de 1742, foi erguida nos campos da Estância da Serra,nas proximidades do Arroio Aceira, por Antônio Gonçalves dos Anjos, uma capela posta sob a proteção da Nossa Senhora da Conceição da Santa Virgem.
Supõe - se que esta capela tenha dado origem à atual cidade de Osório.
Em 18 de janeiro de 1773, foi criada a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição.
Em 1780 sete anos depois de criada a freguesia, a comunidade contava com 158 negros, 234 brancos e 25 índios.
No recenseamento de 1814,Conceição do Arroio contava com:brancos 837, indígenas 19, mestiços 180, escravos de origem africana 538, recém nascidos 74, num total de 1648 almas.
Através dos livros de batismos verifica-se que procedem de Angola,Guiné,Cabo Verde,Congo e Costa da Mina, podendo-se então dizer que o negro de Conceição era procedente destas comunidades africanas.

OS MOCAMBIQUES

Morro Alto, hoje distrito do Município de Maquiné, agrega a maior concentração de pretos e seus descendentes do Litoral Norte. Deste lugar é que se origina o maior número de participantes das Congadas de Osório. A presença dos escravos em Morro Alto está ligada aos canaviais e aos produtos derivados da cana,como cachaça,melado e rapadura.Plantava-se também mandioca para a produção de farinha.
Em Moçambique,na África,havia uma alfândega que controlava a saída de escravos para o Brasil,de várias nacionalidades africanas.
Supõe-se que o auto folclórico realizado em Osório tenha fixado o nome Moçambique por causa daquela alfândega africana.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO, UMA COMPARAÇÃO ENTRE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX E A CONTEMPORANEIDADE NA CIDADE DE OSÓRIO










OSÓRIO, 2006.




MARIA REGINA SANTOS DE OLIVEIRA










FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO, UMA COMPARAÇÃO ENTRE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX E A CONTEMPORANEIDADE NA CIDADE DE OSÓRIO





Monografia apresentada à Faculdade Cenecista de Osório como requisito parcial para aprovação no curso de Especialização em Diálogos entre Literatura e História do Rio Grande do Sul.





Orientadora: Terezinha Marques









OSÓRIO, 2006


























Dedicatória

Dedico este trabalho em memória ao meu pai, que foi minha fonte inspiradora durante toda esta caminhada.
































Agradecimentos

Agradeço a Deus pela graça de estar viva e ao Espírito Santo
Por iluminar os meus caminhos.










INTRODUÇÃO


Ao término do curso de História, interessei-me por cursar, em nível de pós-graduação, a especialização em Diálogos entre Literatura e História do Rio Grande do Sul, na Faculdade Cenecista de Osório. E como estudo desenvolvido no decorrer do curso, optei pela pesquisa e análise das Festas do Divino Espírito Santo, desde a segunda metade do século XIX até a contemporaneidade, mais precisamente no ano de 2005 em Osório, que resulta nesta monografia. Enfatizando a origem, os rituais, as práticas associadas aos festejos e os símbolos no que tange à permanência e à continuidade destes rituais ao longo dos anos, fazendo uma comparação do passado com o presente. Dentro deste contexto, apresento uma reflexão sobre a cultura sócio-religiosa popular.

O litoral norte do Rio Grande do Sul foi povoado por açorianos e junto com eles veio uma cultura popular. A Festa do Divino foi uma delas, pois sendo um povo muito religioso, fez com que as suas tradições se mantivessem por todos estes anos. Em Osório, os rituais foram modificados e adaptados à realidade local. Os aspectos sócios culturais religiosos acompanharam a evolução dos tempos sem modificar a sua essência.

Em 1492, com a descoberta da América, e em 1500 com a descoberta do Brasil, Espanha e Portugal começam uma disputa que levam a vários tratados que na maioria das vezes foram desrespeitados por ambas as Coroas. Uma das áreas em constante litígio situa-se entre Laguna e o Rio da Prata, resultante desta disputa


O Tratado de Alcacovas (1479) determinava que todas as ilhas com excecão das Canárias pertencessem a Portugal bem como as terras que se viessem a descobrir no Oceano Atlântico. Pelo Tratado de Tordesilhas (1494), as terras que ficassem a 370 léguas de Cabo Verde seriam de Portugal e as que ultrapassassem esse limite pertenceria à Espanha. (AMARAL; JACCOTTET, 2002, p. 212)



Com a morte em 1580 de D. Henrique, rei de Portugal, o Brasil, então colônia portuguesa, passa a ser governado por Felipe II, rei da Espanha, vencedor da disputa política pelo trono português. Dava– se início ao domínio espanhol sobre as colônias portuguesas, fato que ficou conhecido como União Ibérica. A Espanha construía um extenso império que ia das Américas à Ásia, passando pela Europa e pela África. Esse período durou sessenta anos, ou seja, até 1640. No Brasil, pouca coisa mudou: o idioma foi mantido e as leis e os costumes também. Trevisan assim relata o período citado:


Foi durante esta união, o chamado período Filipino (1580 – 1640) que teve grande incremento a expansão dos portugueses, com São Paulo como foco irradiador, por intermédio dos Bandeirantes, e o mapa do Brasil começou a ser definitivamente esboçado. (1993, p. 26-27)


Em 1680, já com a retomada do trono português, com base no uso jurídico “utis possidetis” (a posse pelo uso), o governo luso mandou construir em frente a Buenos Aires a Colônia do Sacramento, fato que acirrou os conflitos com os espanhóis. Com a criação da Colônia do Sacramento, efetivou–se o interesse de Portugal na região mais meridional do Brasil.

Após a construção da Colônia do Sacramento e as constantes incursões dos bandeirantes sobre o Sul estava decretado definitivamente o interesse político e econômico e a conseqüente expansão das fronteiras portuguesas no Sul do Brasil. Tratava–se de montar um projeto que pudesse dar conta de povoar e assegurar a posse dessas terras conquistadas.

Vera Barroso retrata essa intenção dizendo que:


“A partir dos anos 1700 o projeto de conquista portuguesa no Sul avançou, forjando as incursões de reconhecimento da área, inaugurando a era das invernadas e estâncias, com a Frota de João de Magalhães vinda de Laguna em 1725. Com ela preparava–se o povoamento com brancos no Rio Grande do Sul, vindos de outras capitanias estimulados pelo comércio muar que vinculou a região ao centro do Brasil. E a área palco dos primeiros ‘arranchamentos’ foi exatamente a do litoral norte, reunindo os Campos de Tramandaí e os de Viamão [...] (1993, p. 33)

Esta necessidade de proteção às fronteiras foi estabelecida as custas de muitos tratados, que faziam com que as fronteiras se redefinissem ora para o lado espanhol, ora para o lado português, isto levou o governo português a ter a preocupação de:


“[...] incentivar na fixação de uma população civil que se dedicaria em especial à pequena agricultura [...]” (TREVISAN, 1993, p.127).


Embora já houvesse vindo casais açorianos para povoar a Colônia do Sacramento (1718), a grande emigração deu–se em função de fatores relacionados às condições populacionais das ilhas açorianas e das necessidades econômicas e políticas de ocupação do Rio Grande do Sul. Barroso vai dizer:


[...] “a vinda dos açorianos para o Sul atendia a dois interesses bem claros e mediatos: aliviar ilhas super povoadas dos Açores, cuja a carência de alimentos e trabalho era uma realidade; e povoar o RS, carente de braços para a produção de alimentos e de defensores em propícia conjuntura do avanço da conquista portuguesa no extremo Sul do Brasil.” (1993, p. 36)


Cabe aqui mostrar quem era esse povo e quais eram as condições sócio – culturais nas ilhas no momento em que foram convocados para fazer a imigração rumo ao Brasil.

Portugal hoje está dividido em parte Continental e parte Insular. A parte Insular corresponde aos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Sabe-se que:


“O arquipélago dos Açores está situado no Atlântico Norte, sendo dividido em três grupos de olhas, em função de sua localização relativa: grupo Oriental, formado por Santa Maria e São Miguel; grupo central, pelas ilhas Terceira, São Jorge, Pico, Faial, e Graciosa; e o grupo Ocidental, formado por Flores e Corvo. O território abrange uma área de 2.333 km2, com uma zona econômica exclusiva de 938000km2” [...]. (ROCHA, 1993, p. 9)


Achei esta citação de Vera Barroso, no que diz respeito à vinda dos casais açorianos para o Rio Grande do Sul, pois pouco fala-se sobre a vinda destes ilhéus.

A imigração intensiva de ilhéus do Arquipélado dos Açores, via de regra, é associada às necessidades de ordem política e, quando trata-se de política de expansão territorial, sabe-se que tudo era prometido e pouco cumprido, mesmo as promessas documentadas. Embora tarde,após mais de vinte anos da chegada da primeira leva de casais açorianos, as promessas foram, pelo menos parcialmente, cumpridas. Os açorianos na estremadura meridional do Brasil deram por satisfeitos os objetivos que provocaram suas vindas.

A historiadora e pesquisadora patrulhense Vera Maciel Barroso diz que:


“[...] a História do povoamento da área do litoral norte, até a chegada dos casais açorianos no Rio Grande do Sul a partir de 1752 está vinculada estreitamente ao processo de conquista e de incorporação da região sulina, ao domínio português na América Meridional” (1993, p. 33).


Até o início do século XVII, diz a autora que, na costa litorânea entre o Sul de Laguna e imediações de Tramandaí, viviam os índios arachãs, da família guarani, e os carijós. Com a chegada dos primeiros homens brancos, esses foram capturados e aqueles que resistiram foram dizimados. Os portugueses vieram buscá–los para servirem como escravos em São Paulo ou serem vendidos para o nordeste, para a mesma finalidade. Para se efetivar o domínio luso da parte meridional do Brasil, até então despovoada por “homens brancos”, forjaram-se incursões de reconhecimento da região. Criavam–se assim os caminhos do litoral, área de melhor acesso às caravanas. João Magalhães inaugurou a era de invernadas e estâncias em 1725. A área litorânea foi palco dos primeiros ranchos fixados nos campos de Tramandaí e Viamão. Manoel Gonçalves Ribeiro foi o primeiro a receber título de propriedade, exatamente na Paragem das Conchas, onde hoje se localiza a cidade de Tramandaí. Em volta dessas áreas, outros proprietários foram requerendo terras, povoando assim a região.


De Laguna vieram portugueses, índios, negros que miscigenaram – se na região litorânea e avançaram rumo a Santo Antônio da Patrulha e Viamão. (BARROSO, 1993, p. 33).


A participação dos índios e dos africanos na formação étnica do litoral gaúcho e o povoamento da região a partir dos caminhos traçados pelos tropeiros, que avançavam rumo a serra com suas tropas de muares.

O primeiro núcleo de povoamento português no Rio Grande do Sul foi o presídio de Jesus, Maria e José, atual cidade de Rio Grande, erguido em 1737. Barroso relata a presença açoriana no litoral norte com a chegada em 1734 de Manoel Barros Pereira, açoriano da ilha de Santa Maria, que se instalou na localidade de Passinhos, ao Sul da Lagoa dos Barros. Santo Antônio da Patrulha e Conceição do Arroio, atual Osório, também vão constituir importantes núcleos de povoamento açoriano.

Em 1773, ainda segundo Barroso, o governador José Marcelino de Figueiredo projetou a instalação de açorianos em Conceição do Arroio. O engenheiro Alexandre Jose Montanha foi designado para demarcar as áreas de terras que ficavam na fazenda de Francisco Pereira.


Os açorianos cultivavam cana–de–açúcar, mandioca e trigo, faziam aguardente e criavam gado, tanto bovino como eqüino. Nessa época os tropeiros já usavam as rotas missioneiras para transportar suas tropas em direção a São Paulo e Minas Gerais. A ocupação das terras litorâneas ainda era bem acanhada: para uma população de 36.721 pessoas no RS, apenas 4.085 pessoas ocupavam essa área, que incluía, Nossa Senhora da Conceição do Arroio, Santo Antônio da Patrulha e Nossa Senhora da Oliveira de Cima da Serra. (BARROSO, 1993, p. 38).

É fácil recordar e falar do ontem próximo e do hoje envolvente. Ilhas e famílias iluminadas que na política, educação, religião e cultura se fazem presente nos dias de hoje. Nestas citações de Vera Barroso fica bem clara a importância da vinda destes ilhéus açorianos, cuja presença ficou incorporada à consciência social do gaúcho como expressão de organização da sociedade. Como fase na unidade familiar decorrente de dominância estatística, eles foram mais que o dobro da população existente, incorporados em uma comunidade avaliada como sendo de menos de mil indivíduos, naquele momento de sua chegada. Economicamente, desencadearam estes povoadores atividades desenvolvimentistas, nas lavouras canavieiras e em engenhos para produção açucareira, revelando-se excelentes agricultores e criadores de gados, como também a de colonizadores, característica consolidada pelo elemento luso em todo o mundo.


Foi só nas décadas de 1810 e 1820 que a procura pelas terras do litoral norte se intensificou, com legitimações sendo pedidas para os comandantes das freguesias e para a já instalada Câmara de Santo Antonio da Patrulha (criada em 1809 e instalada em 1811). Posterior a 1823, diz Barroso, foram confirmadas quase 100 concessões de sesmarias, sendo 49 na Freguesia de Santo Antonio da Patrulha e 44 na Freguesia de N.SRA. da Conceição do Arroio. (BARROSO, 1993, p. 43)


Foi difícil a trajetória deste povo, que além da longa viagem, enfrentou doenças, moléstias e até a morte para chegar em terras desconhecidas e recomeçar sem ter o mínimo de condições, acordos políticos foram feitos sem pensar que nestas embarcações vinham pessoas e não animais para semear uma geração de açorianos dispostos a trabalhar, e com eles veio toda uma cultura, as suas tradições foram cultivadas através da religião, festas, danças, culinária, arquitetura e superstições. Neste contexto histórico, a Festa do Divino é uma cultura sócio-religiosa que veio junto com este povo e permanece até hoje na memória do povo osoriense.




A Festa do Divino é prática antiga que perpassa as várias transformações históricas que sofreram a comunidade e toda a região litorânea. A aceitação e a prática da tradição se fez sentir até mesmo em culturas diferentes da cultura açoriana.

Mesmo tendo suas origens em outro continente, a Festa do Divino suportou a transmigração e o contato com outros povos de práticas e costumes diferentes, demarcou o seu território e enraizou–se.

Osório foi praticamente povoado por açorianos, mas outras etnias fazem parte da nossa cultura, são elas: africanas, italianas, indígenas e outras, com elas vieram todo um legado cultural. As danças, a culinária, e a religiosidade expressa na Festa do Divino. Essa herança açoriana está registrada na obra “A Vila da Serra (Conceição do Arroio)”, em que Stenzel usa a narrativa literária para descrever a participação e comportamento do povo osoriense nas Festas do Divino Espírito Santo:


À educação cívica se antepunha a religiosa. Afinal, foi isso o que herdamos dos portugueses Realizavam –se aqui, anualmente, três festas regulares: A do Espírito Santo, a da Conceição e a do Rosário. Não havia como hoje, igrejas nos distritos, de maneira que, principalmente a festa do Espírito Santo, afluía à Vila muita gente de fora. A concorrência era tanta que, às vezes, em uma só casa se hospedavam três ou quatro famílias, afora os rapazes e os fâmulos, que dormiam nas carretas. (1872, p. 36)


Percorrendo o caminho histórico da constituição e formação açoriana da região litorânea norte, Vera Barroso, historiadora natural de Santo Antônio da Patrulha, relata que:


“Está mais do que provada a açorianidade norte-litorânea do Rio Grande do Sul. Os açorianos antes e após 1752 chegaram às terras das antigas freguesias de Santo Antonio da Guarda Velha e N.Sra da Conceição Do Arroio” [...] (1993, p. 47).


Este estudo, fruto de reflexões feitas ao longo dos anos, analisa a trajetória histórica e cultural das Festas do Divino Espírito Santo, herança luso–açoriana presente na região litorânea e na cidade de Osório. A presença dos açorianos na região foi verificada por meio da literatura osoriense na obra de Antônio Stenzel Filho “A Vila da Serra (Conceição do Arroio)”, visto que não foram encontradas obras científicas sobre a Festa do Divino. A pesquisa em relação à historiografia preenche lacunas da produção científica sobre o tema. Através de entrevistas com a Sra. Agata Buss, o Sr. Marco Antônio, o Sr.Ildo Trespach Monteiro, o Sr.Roque José Malmam e a Sra.Karla Oliveira, membros da comunidade local, líderes sociais, foram coletadas muitas informações analisadas.

Este estudo procura responder à seguinte problemática: quais as transformações que podem ser percebidas na Cultura das Festas do Divino Espírito Santo no município de Osório, desde suas origens até a contemporaneidade?

Para tanto defendo a hipótese de que a Festa do Divino, tradição relacionada às manifestações populares que até hoje se desenvolve no município sofreu aculturações. Sabe–se que nas transformações, religiosas, sociais e culturais que ocorreram na região ao longo dos anos, estão presentes as influências de origem evolutivas e étnicas. Contudo, a cultura da Festa do Divino manteve–se na comunidade de Osório, resistindo através dos festeiros e dos grupos de apoio da sociedade em geral.

O método utilizado nesse trabalho é o comparativo, por considerar que o estudo das semelhanças entre diversos tipos de grupos da sociedade ou povos contribui para uma melhor compreensão do comportamento humano. É um método que possibilita ao investigador exercer uma investigação de forma descritiva conforme os objetivos propostos. Além desse aspecto, esse método de pesquisa foi escolhido pois há vários autores que já escreveram sobre este assunto no século XIX, mas na contemporaneidade não existe registro sobre as Festas no município de Osório. O método de registro oral das entrevistas com os devotos do Divino, que fazem parte das Festas, foi selecionado para que futuramente sirva de fonte de pesquisa por outros pesquisadores, qualificando a forma de registro da memória dos membros da comunidade com relação à nossa cultura sócio-religiosa local. A técnica documental adotará os seguintes procedimentos: leitura e análise das obras; entrevistas obedecendo a roteiro previamente elaborado, de acordo com objetivos observados com vistas à delimitação fixada acima. Os objetivos específicos deste estudo com relação à Festa do Divino se constituem em: identificar as manifestações desta cultura durante o desenvolvimento do município; analisar as práticas, os rituais e as simbologias, rituais, perfil dos foliões e o papel da igreja; traçar paralelos entre a manifestação inicial e a prática atual; identificar e analisar os fatores que contribuíram para as transformações e permanências, somadas à prática religiosa e cultural dos dias de hoje; reunir depoimentos, documentos fotos, que possam ser utilizados para caracterizar a cultura das Festas do Divino e avaliar o atual estágio da mesma no município de Osório.

Em uma perspectiva mais ampla, este trabalho tem o objetivo de despertar na comunidade local e regional a importância de dar continuidade a tradição das Festas do Divino Espírito Santo por ser uma herança portuguesa, açoriana com certeza.

Trabalhei com os conceitos das Festas do Divino, enfocando as manifestações e transformações iniciais e atuais na contemporaneidade, salientando que os mesmos serão definidos no desenrolar do trabalho.

A idéia de resgatar a tradição das Festas do Divino na comunidade osoriense nasceu da curiosidade de saber como eram as festas em meu município e como, ao longo dos anos, vêm se mantendo em meio às várias transformações sociais, religiosas e culturais que historicamente acompanham a evolução da sociedade de um modo geral, fato também comum na região do litoral norte do Rio Grande do Sul, mais precisamente no município de Osório. Depois de dois séculos e meio da chegada dos açorianos ao Rio Grande do Sul, mais precisamente no município de Osório, atualmente com uma população de aproximadamente quarenta mil habitantes, a economia local é baseada no comércio e na prestação de serviços, indstrias e fábricas são poucas. Poucos são os investimentos em cultura de preservação do patrimônio histórico; sem profissionais qualificados para este trabalho, mesmo tendo uma faculdade que mantêm um curso de História. A tendência é que haja uma mudança, pois está sendo implantado na região o maior Parque Eólico da América Latina. Tudo indica que Osório se torne um município turístico. Assim, cria-se a necessidade do resgate e preservação das raízes açorianas.

Minha pesquisa aproxima-se de uma linha teórica que foi denominada pelos historiadores como Nova História Cultural, onde as análises levam em conta não só as fontes documentais, ou as matrizes econômicas e políticas, que por vezes poderão aparecer nesse trabalho, mas também, o cotidiano das comunidades, o imaginário, as tradições, os ritos de passagens que estão inseridos nesta realidade e que podem determinar a permanência ou a extinção de uma herança sócio-religiosa cultural no município de Osório.

Segundo Barthes (1978): “a linguagem é o objeto em que se inscreve o poder”. Todo discurso, desde os proferidos pela escola ou pelo Estado, até os que constituem a publicidade ou mesmo uma canção, se encarrega de repetir a linguagem até o momento em que os sentidos das palavras nos pareçam naturais e inatos, como se a linguagem existisse antes mesmo do surgimento da sociedade e de suas construções de poder. A palavra repetida, fora de qualquer encantamento ou magia, é denominada de estereótipo. Aceitamos determinadas idéias como verdades puras, entretanto, na maioria das vezes, são estereótipos formados de um discurso constituído sob a máscara do poder.
O estereótipo é, pois, a cristalização de um único sentido da palavra, o cerceamento da multiplicidade do signo imposto por um único sentido da palavra, o cerceamento da multiplicidade do signo imposto por uma determinada ideologia. O poder, segundo o semiólogo francês, está presente em todas as circunstâncias do intercâmbio social, não somente nos Estados, nas classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espetáculos, nos jogos, nas informações, nas relações familiares e privadas, e até mesmo nos impulsos liberadores que tentam contestá–los. Primeiro faz–se uma revolução para acabar com um mecanismo de poder, ele logo reaparece, sob uma máscara nova, mas com os mesmos princípios autoritários e opressores; a liberdade humana só é possível fora da linguagem.

No entanto, o homem só existe dentro dela, em seu interior, uma vez que é constituído por ela, não havendo separação entre homem e linguagem. Estaremos, então, condenados à prisão perpétua, implicados nesta rede de poderes que constitui os discursos. É aqui que entra a sábia e saborosa idéia barthesiana de trapacear com a língua, não podemos destituí–la de seus sentidos estereotipados, mas é possível jogar com os signos. (BARTHES, 1978, p.11) Encontramos, na literatura contemporânea, uma certa tendência ao questionamento do que é o escrever no interior do próprio texto literário.

Outro texto que fez com que favorece uma aproximação entre Literatura e História é o de Robert Darnton (1986). Diz ele que a literatura tem um poder que nenhum outro texto tem que é o de conter outros textos, que é o de ser espaço de transformação dos discursos em circulação na sociedade. A literatura, através de sua linguagem simbólica e imagética diz o que não pode ser dito.

Talvez seja por isso que o historiador Robert Darnton escolheu reproduzir, através da literatura e de uma forma bem criativa e inusitada, a história cultural francesa do século XVII. Segundo o autor, os contos infantis, os quais utilizou na sua pesquisa, trazem a interpretação da cultura popular sobre a sociedade francesa daquele período. Mesmo tendo noção do quanto estava se afastando dos métodos estabelecidos pela história, acredita que seu trabalho possa contribuir para indagações proveitosas tanto na historiografia, como na literatura. Uma vez que, tanto a história como a literatura são patrimônios culturais e guardam a memória coletiva de um povo, ambas têm relevância social.


Pode–se indagar se a literatura contém mais ficção do que a história e os seus discursos durante os séculos; uma vez que o mundo não pode ser fictício em si mesmo. Entre a realidade e a ficção a diferença está em nós que convivemos e transmitamos por diferentes esferas de verdade. Somos nós quem criamos a verdade. Longe de se opor a verdade, a ficção, é seu complemento. Inventando possibilidades, o ficcional nos permite o acesso ao inacessível. Na medida em que o discurso historiográfico tem no passado o seu inacessível, ele necessita da ficcionalização para se constituir. (DARNTON,1986. p .6-7)


O trabalho está dividido em dois capítulos. No primeiro capítulo, trabalhei inicialmente com algumas interpretações sobre cultura e enfatizar os rituais e práticas associadas aos Festejos das Festas do Divino a partir da segunda metade do século XIX até a contemporânea no ano de 2005 em Osório, dentro destes rituais será feita uma abordagem sobre o papel dos foliões nas Festas do Divino junto a igreja católica local. No final, fiz relato historiográfico, para mostrar a presença étnica açoriana na região litorânea na cidade de Osório mais especificamente, iniciada, de forma mais intensa na década de 1750, procurando destacar a influência da cultura das Festas do Divino Espírito Santo junto ao imaginário do povo osoriense desde os primórdios de sua constituição como município.

O segundo capítulo constitui-se unicamente na abordagem dos símbolos referentes aos rituais praticados nas Festas do Divino, pois a simbologia tem um significado importante nos rituais desde o levantamento do mastro até o final da festa. Na sua contemporalidade, o que no ano de 2005 ainda é mantido da simbologia e ritual do século XIX. Neste capítulo tracei o caminho investigativo sobre as possíveis aculturações e permanências ocorridas na cultura das Festas do Divino contemporaneamente, trazendo dados atuais que vislumbrem tais transformações ou permanências.

A pesquisa em relação à historiografia preenche lacunas da produção científica sobre o tema, porque na sua contemporaneidade não existem registros em relação à comparação das práticas festivas antigas com as atuais.

O litoral norte do Rio Grande do Sul foi povoado por açorianos e junto com eles veio toda uma cultura popular, a Festa do Divino foi uma delas pois sendo um povo muito religioso fez com que suas tradições se mantivessem por todos estes anos, em Osório os rituais foram modificando e adaptando-se à realidade local. Os aspectos sócios culturais religiosos acompanharam a evolução dos tempos sem modificar a essência dos ritos.










1 OS RITUAIS E PRÁTICAS ASSOCIADOS AOS FESTEJOS DAS FESTAS DO DIVINO EM OSÓRI
Na cidade de Osório, realizavam-se anualmente três festas regulares: a do Espírito Santo, a da Conceição e a do Rosário, festas religiosas que identificam a cultura açoriana.

Antigamente não havia, como hoje, igrejas nos distritos, de maneira que, principalmente na ocasião da festa do Espírito Santo, afluía à Vila muita gente de fora. A concorrência era tanta que, às vezes, em uma só casa se hospedavam três ou quatro famílias, afora os rapazes e os fâmulos, que dormiam nas carretas.

A festa iniciava pelo levantamento do mastro que era feito na frente do império do Divino, que localizava-se ao lado da igreja. O império servia para guardar os instrumentos da folia do Divino: as bandeiras, coroas e os objetos para a procissão do Divino Espírito Santo. Seguram-se as novenas, durante as quais a voz de barítono do velho Silva, no coro, ecoava por toda a vila e a música do Zeferino Antônio de Oliveira (Zeferinho), à entrada e no final do ato religioso, executava belíssimas dobradas. Do sexto dia em diante, efetuavam-se, à noite, depois das novenas, leilões de ofertas, tais como bolos, pães, animais e diversos objetos antigos e novos, também feitos no Império. Por ser muito pequeno, o Império ficava cheio como uma lata de sardinhas.

O leiloeiro era o velho Amaro, sendo em certas ocasiões coadjuvado pelo Gaudêncio que, espirituoso como era, dirigia graçobas aos rapazes que estavam de namoro. No meio das risadas, cochicho das velhas e curiosidade das moças, sobressaía a voz rouquenha do velho Amaro, dizendo: “dou-lhe uma, dou-lhe duas, e ... dou-lhe três”. Todos os olhares se dirigiam então para o leiloeiro, a fim de verem para quem seria dado o objeto arrematado. Ao ser entregue este a uma das moças presentes, repetiam-se os cochichos e risadinhas. Às vezes, porém, o objeto arrematado era um boneco de massa com olhos de feijão ou uma caixinha de segredos, e neste caso,era oferecido por um rapaz a outro rapaz, o que provocava gostosas gargalhadas.

Na véspera do dia, saíam do Divino as bandeiras acompanhadas da música e ao espocar de foguetes, a tirar esmolas no quadro da povoação. Atrás do préstito, seguiam duas carroças, enfeitadas de folhagens e flores, distribuindo carne e pão à população. O distribuidor era ainda o velho Amaro, que vestia uma opa encarnada e tinha a cabeça coberta por um grande lenço de chita. Este velho Amaro era muito bravo e rezingueiro com as crianças, razão por que essas tinham muita raiva dele. Com os homens, principalmente com os ricos, porém, era muito atencioso e dedicado. Naquele tempo, já se sabia pegar no bico ...

A carne e o pão distribuídos eram provenientes das esmolas dadas ao Divino. Este uso está hoje abolido. As reses são vendidas em leilão e o produto aplicado às despesas da festa. Foi mal feito isso, o uso deveria ser mantido, pois aquilo era uma característica da tradicional solenidade. Essas dádivas: pão, carne, galinhas, etc. significavam as esmolas dispensadas aos pobres, na época em que a festa do Divino foi instituída, aí pela Idade Média, mais ou menos, segundo a opinião do padre Teschauer.

No dia da festa, às 10 horas, procedia-se ao sorteio para o novo festeiro e às 11 horas principiava a Missa Solene. A igreja, repleta, resplandecia. Os altares cobriam-se de flores. À direita do altar-mor, em um trono, sob um dossel forrado de seda encarnada, com franjas douradas, ostentava-se o Imperador, com sua coroa de prata na cabeça e o cetro na mão esquerda.

À tarde, pelas seis horas, saía a procissão. Era muito concorrida, formando um cortejo imenso. Ao contrário do que acontece hoje, nos tempos passados as senhoras não a acompanhavam.

O festeiro, ainda com a coroa na cabeça, recebida do imperador, ia dentro de um quadro, sendo este conduzido por quatro meninas vestidas à fantasia. Depois do último andor, ia o pálio, de seda branca com varões dourados, pegando neles as figuras de mais destaque na Vila. Embaixo dele, o padre, com o SS. Sacramento em exposição. As janelas das casas eram ornamentadas com colchas finas e vistosas. Quando o pálio passava em frente a uma casa, as portas e janelas se abriam e as pessoas se ajoelhavam e curvavam a cabeça em sinal de adoração.

Durante todo o tempo em que a procissão percorria a Vila, o sino repicava e a música tocava marchas festivas. Uma coisa que impressionava muito nesse ato religioso eram as promessas. Senhoras de pés no chão, crianças nuas debaixo dos andores. Em certa ocasião, o Zeferino Miguel, que era um homem de posição social e política, acompanhou a procissão atrás de um andor, descalço, sem camisa, e com um barril cheio de água à cabeça.

À noite, depois do leilão, queimavam-se os fogos de artifício, saindo no fim o boi-de-fogo, que era o espantalho das crianças e até muitos jecas. O dia seguinte era destinado às cavalhadas. Na época, as cavalhadas tinham, aqui, um brilho excepcional. Quase todos os corredores eram homens de posição social, de maneira que se apresentavam ricamente vestidos e os seus cavalos bonitos e bem ajaezados. Para citar alguns: os fazendeiros Galdino, Amador e Manoel Marques de Oliveira. Centenas de cadeiras e bancos estendiam-se ao redor da praça.

Os estudos das manifestações culturais, principalmente as festas populares têm dia a dia assimilado os novos paradigmas e correntes teóricas advindas das ciências sociais. Então, teses como a da incondicional autoria coletiva e a irrefutabilidade a modas e tendências da cultura de massa, por exemplo, requisitos básicos para qualificar um fato folclórico no passado, têm se demonstrado inadequados para qualificar a dinâmica de manifestações populares nos dias atuais, onde em tempos de modernidade, ou pós-modernidade para outros, as transformações e reorganizações das tradições são constantes.

As Festas do Espírito Santo, na tradição secular dos Açores, de acordo com Marcelino Lima, na obra Anais do Município da Horta, que se baseia em crônicas antigas. Existiam, também, na Alemanha associações de beneficência sob a invocação do Espírito Santo, destinadas a socorrer os indigentes em ocasiões de penúria. Na França, no ano de 1160, fundou-se a Ordem do Espírito Santo, que se dedicava ao exercício da caridade para com os pobres e doentes. Em Portugal, a instituição teria sido introduzida pela rainha Isabel de Aragão, preocupada com a extrema pobreza das classes mais desfavorecidas, sendo em Alencar, no ano de 1296, que se realizou, com grande pompa e pela primeira vez uma cerimônia em honra do Espírito Santo.

Quanto à sua difusão pelo resto do país, segundo Mota:


Tem-se como o mais provável que este ato (o de Alenquer), simples e humilde, caritativo e belo, mas, sobretudo de uma grande devoção ao Divino Paracleto, se difundiria rapidamente pelas casas opulentas, os solares dos nobres e pelos homens ricos, que logo quiseram imitar as práticas vividas na Capela Real de Alenquer. Crível. Por isso que, depois de conseguida a devida autorização do soberano, se mandava executar coroas em tudo semelhantes à do Rei, exceto no centro, onde um símbolo do Espírito Santo as distinguia da Coroa Real. Passou o país cristão que era Portugal, a assistir, pelo Pentecostes dos séculos XIII e XIV a tão piedoso e caritativo cerimonial, levada a efeito, principalmente nas casas nobres e ricas dos portentosos do Reino, só mais tarde aparecendo o povo reunido em Irmandades, como forma associativa de poder realizar, também, por si, as faustosas festas do Espírito Santo, terminando-as à maneira da nobreza com touradas e jogos de canas e argolinhas (1982).


Foi essa pia instituição que os senhores capitães-donatários, devotos e crentes da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, os nobres, os navegantes e o povo agrícola e artífice, que os acompanharam a aventura dos Açores e trouxeram como costume familiar e o puseram em prática nas diferentes ilhas onde se fixaram.

É, pois, ponto assente que o culto foi introduzido nos Açores pelos primeiros povoadores continentais, em meados do século XV, havendo, no entanto, divergências quanto à ilha onde cronologicamente ele teria tido início: uns são da opinião que em Santa Maria, primeira a ser descoberta e povoada.

Contudo, Gervásio Lima, em As Festas do Espírito Santo, declara que “(...) tudo leva a crer que elas tiveram principio nesta ilha (Terceira), iniciadas com a entrada dos primeiros colonos”.

Independentemente do local onde foram celebradas pela primeira vez no Arquipélago e apesar de terem sido no início apadrinhadas pelos nobres ricos, as festas, atualmente, são parte integrante das tradições populares açorianas. Através dos tempos, o povo, com toda a sua imaginação e aversão a regras e protocolos, foi lhes introduzindo alterações. Existem hoje em dia, nos seus trâmites, diferenças de ilha para ilha e até, dentro da mesma ilha, de freguesia para freguesia, nomeadamente no que diz respeito às funções e trajes dos diversos personagens e às ementas da função, isto para não falar nos termos que designam cada um dos participantes e cujas variantes são quase tantas quantas as ilhas do Arquipélago. Há, entre os personagens tradicionais das cerimônias das festas do Espírito Santo, uma, ou melhor, “umas”, que apesar de se limitarem, hoje em dia, quase que exclusivamente ao canto e estarem em alguns locais em vias de extinção. Merecem, talvez por isso mesmo, mas também pelo seu caráter profano e de crítica social, uma referência especial, já referido no boletim paroquial Despertar, 1982.


1.1 Foliões do Divino Espírito Santo nos Açores


As Folias do Divino Espírito Santo, praticamente desaparecidas no Continente, mas que ainda agora se conservam no Arquipélago dos Açores, são uma das mais sugestivas e saborosas expressões do folclore insular.

A origem remota dos foliões do Espírito Santo é declaradamente pagã, embora depois, no decurso dos tempos, designadamente em Portugal, até os meados do século XVIII, eles figurassem em cortejos e festejos religiosos da maior solenidade, como as procissões de Corpus Christi.

Na antiga Grécia, as Bufónias eram festas propiciatórias cujo fim consistia em acabar com a fome em certas regiões. Para isso, abatiam um ou mais animais sagrados, recebendo em seguida os assistentes um pedaço de carne, tal como hoje acontece, em parte, na chamada distribuição das pensões, por ocasião das Festas do Espírito Santo, nos Açores.

Ora os sacerdotes que tomaram parte nesse ritual da Dipolia eram os matadores de bois, os bufonos, expressão que deu depois a etimologia de bufões, palavra que mais tarde viria a significar jograis, bobos, foliões. Por esse motivo, embora hoje a palavra foliões signifique homens que se divertem com freqüência sem comedimento, não é difícil identificar os foliões do Divino Espírito Santo, dos Açores, com bufões das antigas Bufónias.

Atualmente, no arquipélago açoriano, os foliões aparecem na grande maioria das festividades do Espírito Santo. O número de foliões que compõem uma folia varia de ilha para ilha e até de localidade para localidade. Regula, porém, entre três e seis. Todos eles se apresentam, no geral, com indumentária própria, sendo a mais freqüente e característica, uma opa de chita enramada (de vermelho) e uma mitra, do mesmo tecido, na cabeça. Esta última peça, no entanto, apresenta variantes em algumas ilhas. Em Santa Maria, por exemplo, usam apenas um lenço por sobre os ombros. No Faial amarram um lenço vermelho na cabeça, caindo as pontas pelas costas. Na Terceira, em meados do século passado os foliões traziam chapéus de castor alvadio, parecidos com os dos franciscanos capuchos.

A opa de tecido de ramagens, bem como a mitra, do mesmo pano, ainda hoje usadas pelos foliões da ilha de São Miguel, são peças de vestuário de caráter oriental. A mitra, sobretudo, segundo alguns escritores, é nitidamente persa e constitui um emblema do sacerdócio, ainda usado pelos sacerdos magnos, como o bispo da Igreja Católica.

Desse caráter pagão dos foliões do Espírito Santo, nos Açores, e ainda de certos abusos por eles praticados no decorrer dos tempos, teriam certamente provindo as restrições determinadas pela Igreja, no próprio Arquipélago, com o fim de evitarem a sua presença em certos atos religiosos, dentro ou fora dos templos.

As variantes notadas quanto à indumentária dos foliões verificam-se também quanto aos instrumentos. Assim, por exemplo, na ilha de São Miguel, designadamente nas regiões central e ocidental (Arrifes, Feteiras, Mosteiros, Bretanha, etc.), trazem rabeca, viola de arame e sistros.

Noutras localidades da mesma ilha também usam tambor (em vez da rabeca) e, em alguns casos, ferrinhos. Nas ilhas de Santa Maria, Flores e Corvo, usam testos, uma espécie de pequenos pratos metálicos, cada folia costuma fazer uma bandeira do Espírito Santo, encima por uma “pombinha”, e é, geralmente, um dos que trazem pandeiro que “puxa” a cantiga que os restantes repetem, de dois em dois versos, num tom arrastado que varia ligeiramente de lugar para lugar.

As folias que ainda hoje figuram em quase todos os atos dos festejos do Espírito Santo que se realizam nos Açores (alvoradas, mudanças, cortejos dos bezerros, império, etc.) eram, antigamente, número obrigado em todas as festas religiosas e profanas. Por isso, a história dos Açores apresenta-se cheia de referências a folias, a ponto de as Câmaras Municipais terem chegado a providencia sobre a sua composição e a sua comparência.

Além da indumentária pitoresca com que se apresentam, as folias do Divino Espírito Santo oferecem um interesse deveras extraordinário, no que toca à originalidade e à espontaneidade das cantigas, sabido que todas estas são improvisadas no preciso momento em que as cantam. Se alguns milhares dessas quadras têm sido registrados pelos folcloristas açorianos, muitos outros milhares se perderam para sempre precisamente porque foram improvisadas, umas e outras admiráveis pelo conceito, pelo sentido apologético, pela devoção religiosa e até pelo tom jocoso e de crítica social em que se expressam.


1.2 O Divino Império do Espírito Santo


As Festividades Populares do Espírito Santo no Continente e ilhas adjacentes - Relação do Paracleto com os São Joões - O significado esotérico das Festividades - Exportação do Império Popular de Portugal para o Mundo - A religião imperante subjugada à Tradição Iniciática.

É agora o momento de falar dos Festejos Populares do Império do Divino Espírito Santo, há não muito tempo realizados com toda a pompa e circunstância no lugar do Penedo, em Sintra, os quais são tão velhos quanto à Monarquia Portuguesa. Já na época dos primeiros soberanos eram realizados no sítio de São Sebastião da Pedreira (onde tinha início a Estrada Real de Sintra), em Lisboa, tendo sido depois oficializados pela Rainha Santa Isabel em Alenquer, com o apoio dos Franciscanos. Em Quatrocentos, eles tiveram especial relevo em Lisboa e arredores. Na capital existia a poderosa Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios e Hospital do Divino Espírito Santo dos Pescadores e Navegantes, em Alfama,, cuja fundação ocorrera precisamente na época de Quatrocentos. De uma outra agremiação de homens do mar - a Irmandade dos Mareantes e Pescadores do Alto da Confraria do Espírito Santo – instalada na igreja de São Miguel de Alfama, ficou igualmente notícia.

Ambas as Confrarias, festejantes dos Impérios Populares como forma de reviver as antigas tradições Célticas, exaltar o Misticismo Nacional e quebrar por alguns dias a opressão dogmática do Clero vigente e dominador, foram notícia de alvará Seiscentista de reformulação de compromisso, para bom governo dela por estar o uelho em alguas couzas mui demenuto.

O Tribunal do Santo Ofício tremia diante dos Festejos do Império que são a mais pura manifestação da vontade da Alma do Povo requerindo e mesmo exigindo o retorno às origens ancestrais dos deuses “pagãos” ou do “campo” (e é no campo que inicia toda forma de civilização comportando a correspondente cultura e panteão de deuses “paisans”, ou seja, do mesmo “campo” em que se alicerça, em todos os quadrantes de manifestação, a Religião Popular, genuinamente campesina), que Roma quis pelo terror repressivo apagar do Inconsciente Coletivo deste mesmo Povo, todavia nunca recuando perante as ameaças mais sérias!...
Eis a resposta da guardiã das alfaias do Espírito Santo, no Penedo, quando perguntada sobre o que fariam se o padre da paróquia se recusasse ir aí celebrar a Missa de Pentecostes ou da Páscoa Rosada auge litúrgico das Festividades do Império. A resposta foi peremptória: “Nesse caso iríamos buscá-lo, e se não viesse a bem, viria a mal...”

Contudo, não foi o padre mas a “padrelhada” moralmente efeminada dos novos moradores do sítio, tipo “gente bem” da cidade a quem tudo incomoda, exceto a sua ignorância em distinguir um bife no prato da matança ritual do touro, que obrigaram a Liga Protetora dos Animais a proibir a “hedionda” prática milenar de matar um animal (como se na Liga só houvesse vegetarianos...), desferindo assim uma estocada mortal no Festejo do Império no Penedo. Voto que os responsáveis por essa decisão desacertada reconsiderem seriamente e recuem na sua determinação que acredito nobre, mas, face à Tradição Iniciática e Popular, completamente injusta e ignorante das causas motivadoras desta mesma Festividade. À L. P. A., que me merece a maior das considerações, remeto este estudo.

D. Manuel I, o Rei Venturoso, aprovou os festejos populares do Pentecostes e autorizou as gentes de Cascais e Sintra a recolher madeira nas suas matas para as fogueiras do Bodo, segundo revelou em 1895 Pedro de Azevedo através da publicação de uma carta da Chancelaria de D. Manuel, a qual, embora não referindo expressamente a instituição de Império em Sintra, contudo indica a existência da Festa de Pentecostes, com a conseqüente solenidade do Bodo.

No reinado de D. Sebastião os festejos vão ao extremo do mais febril misticismo: implora-se a S. João; roga-se a S. Sebastião, clama-se ao Anjo Custódio, S. Miguel. O jovem monarca começa a ser identificado pela “arraia miúda”, cansada de Roma e dos seus capatazes que a exploravam e tiranizavam em todos os sentidos, ao Messias Nacional. A fantasia mistura-se com a realidade. D. Sebastião participa dos festejos do Império, continua a consentir que se realizem em Sintra, no Palácio Real da Vila, propriamente no Paço dos Infantes, autorização concedida anteriormente por D. Manuel I.

A Tradição salta à rua, ufana e inridora, alegre e grave. Os reis, até à Dinastia de Avis, são tidos de Casta Divina conforme as palavras de Cristo a Afonso Henriques, e a Igreja Romana; a besta escarlate assinalada no Apocalipse!... O Povo, sufocado por séculos de tirania, implora a D. Sebastião que instaure o Império Pentecostal Universal, inflamado pelo sonho e pela fantasia num delírio febril, acabando o monarca por acreditar-se o Messias e ver a África como o reduto do demo, e, contra os conselhos ajuizados da Corte, parte para Alcácer-Quibir onde o seu exército é desbaratado e ele próprio desaparece na refrega. Contudo, foi em Alcácer-Quibir decerto avançaria pelo interior da África até Jerusalém, o seu propósito principal nessa cruzada santa, e após a conquistar, certamente nomear-se-ia Monarca Universal, por Graça e Direito!... Todavia, o seu propósito de domínio espiritual e temporal do Mundo não passou de uma intenção aventureira que o País teve de pagar bem caro.

Não irei historiografar neste estudo os lugares idos e presentes de realização de Cultos Populares ao Império Divino. A bibliografia é vasta e muito rica; e é natural que assim seja, visto este Festejo ser genuína e exclusivamente português.

Mas seria imperdoável se não transcrevesse aqui o texto comprovativo da oficialização da Festa do Espírito Santo em Alenquer, dado à estampa por CUNHA, 1642:


“E por estarmos em Alenquer, razão será não saiamos dela sem apontar o que achámos escrito em certo memorial, que os do governo da mesma vila ofereceram a Filipe II na ocasião que queria desanexar da sua coroa este lugar para o dar ao Conde de Salinas D. Diogo da Silva, vice-rei, que foi deste reino. Ali se diz, como vivendo ainda a Rainha Stª. Isabel e andando com pensamentos de fundar nela uma igreja sumptuosa ao Espírito Santo, achou pela manhã lançados os fundamentos por mãos de Anjos e a obra em altura que já se podia nela ver a mesma traça, pela qual a Santa Rainha a determinava edificar. Ela e El-Rei D. Dinis seu marido foram os autores da festa que se chama o Espírito Santo, cuja solenidade foi tão célebre por todo o reino e mais nos maiores e mais populosos lugares dele, como ouvimos contar os antigos: a que hoje dura em Alenquer tinha a mesma celebridade pelo reino, isto é, eleger-se e constituir-se imperador, que na primeira oitava do Espírito Santo, com magestade real, assistisse aos ofícios divinos, andasse na procissão, condecorasse com sua presença as mesas, honrasse as festas e invenções, em que o povo procurava alegrar-se. Em Alenquer se celebra ainda esta ação, que chamam do Império, com grande aparato. Levam três coroas e uma delas, que foi da Rainha Stª. Isabel. Servem pessoas nobres, e de qualidade ao imperador, que está em trono, debaixo do dossel, onde se assenta depois de haver oferecido junto do altar uma daquelas coroas, na mão do sacerdote, que diz a missa. E mandaram estes Senhores Reis, que assistindo o príncipe herdeiro do reino nesta ocasião em Alenquer ele fosse o que levasse a coroa, da igreja do Espírito Santo à do mosteiro de S. Francisco, onde se dá princípio a festa: cuja parte principal é que no sábado, véspera de Pentecostes se cerca com uma coroa ou rolo de cera benta tudo o que há na vila, começando do mosteiro de S. Francisco até à igreja do Espírito Santo, assistindo toda ela em procissão, no que se viram já por vezes milagrosos efeitos, porque fazendo-o esta cerimônia em tempo de grande peste foi Deus servido acabar-se o mal e tornar-se a serenidade”. (1642, f. 122)

Abordei neste estudo, sobretudo, o pouco ou nada do conhecido aspecto mítico ou esotérico do corpo do Festejo. e, assim estabeleço uma questão: se está por advir um derradeiro Quinto Império Lusitano tendo sido os anteriores o Persa, o Assírio, o Grego e o Romano, acaso as dinastias portuguesas tiveram alguma influência na sua forjação?

A resposta só pode ser positiva. Se se dispuser o quadro cronológico das 4 dinastias, indo de 1128 até 1978 (ano que para Fernando Pessoa encerra o ciclo da existência do império temporal português, iniciando um outro marcado pela transição do Sol da 4ª para a 5ª casa do seu Horóscopo de Portugal), distam 850 anos, perfazendo exatamente 50 ciclos de 17 anos, distribuídos organicamente no decurso da História Nacional, conforme o quadro seguinte composto pelo Dr. Manuel Gandra em estudo deste.

Cinqüenta é o número do Jubileu e conseqüentemente retorno ao Estado Primordial, o número da instauração definitiva da Era Messiânica antecedida pela República, a qual tão-só configura a fermentação básica do 5° Ciclo ou Império, e através da qual as políticas nacionais e estrangeiras importadas concorrem, duma ou doutra maneira (“escrever direito por linhas tortas”), para o advento da Monarquia Universal, do Império do Presbítero João, tanto valendo por Parúsia do Espírito Santo!

Tal Parúsia Universal, tendo como expressão a religião nacional do Paracleto, expressa pela Função Folia ou Império, obviamente que só podia ter na Terra por modelo paradigmático da Jerusalém Celeste, um lugar unitivo dos dois pólos do Mundo. E esse lugar escolhido foi exatamente Alenquer. Mas Alenquer significa, também, etimologicamente, além e quer ou kar, em bretão, ‘pedra’. Isto é, Pedra do Além, Pedra Deus; o mesmo que Lusa, antigo nome da Belém hebraica, onde nasceu o Cristo, tipomorfizando o Espírito Santo na sua dualidade celestial-terreal; e aqui, a Mãe, a Terra, a Lua, a Moira Fatímida, está em Meca, complemento de Alenquer, de que dista poucos quilômetros. Não é por acaso que a Rainha Stª Isabel oficializou, à testa dos Franciscanos, o Culto do Império Popular do Espírito Santo, precisamente em Alenquer!...

A transição de Netuno-Peixes para Urano – Aquário, no “Horóscopo de Portugal” feito por Fernando Pessoa, mas dado `a estampa por Antônio Telmo, também tem a ver com os festejos do Janus ( em feminino Janas), bicéfalo dos Latinos. È o mesmo São João Veraneal e o São João Invernal, o Batista e o Evangelista correspondendo cosmogonicamente aos Solstícios do Verão e do Inverno, dividindo assim o ano em duas partes a Fase Ascendente (Nivriti-Marga) corresponde ao signo do Caranguejo; a S. João Batista corporificando o Deva-Yana, o Anunciador da Luz; do Pentecostes ou Páscoa Rosada, quando o Sol brilha no auge, tal qual os Impérios Populares, extravasando a sua alegria nos folguedos que são ritos ígneos, como adiante se verá.

A Fase Descendente (Priviti-Marga) corresponde ao signo do Capricórnio; a S. João Evangelista, representando o Pitri-Yana, o Anunciador da Natividade, da descida à Gruta; ao Útero Materno; renascendo das “Trevas Primordiais” quando o Batista pronuncia o Fiat Lux, pela Festa da Ressurreição, quando a Natureza irrompe viva e colorida do ventre da Mãe-Terra, para a alegria da luz do dia, pela Primavera; pelas Maias. Daí o local da celebração da Missa de Pentecostes estar então tapeteado com flores de cores diversas, destacando-se as amarelas, azuis e vermelhas, numa mistura simbiótica configurando formas geométricas de beleza matiz ímpar. Representa, o tapete floral, o Espírito Santo manifestando-se pela Natureza como Bem, Bom e Belo.

Os São Joões representam igualmente a energia centrífuga (Satva) e a energia centrípeta (Tamas) oposicionantes, digladiadoras entre si como forças opostas vitais a toda Natureza que as equilibra com o seu ritmo ou Rajas, elemento azuláceo permeio às anteriores. Por isto todos os templos consagrados ao Divino Espírito Santo (como o de St° Antônio do Penedo, Sintra) estão pintados de azul celeste. E essa oposição Joanina não deixa de estar assinalada zodiacalmente em Câncer-Capricórnio; opostos vitais ou complementares um do outro.

São as trevas – mestras da Criação as colunas siderais do Espírito Santo que é o Supremo Arquiteto (Vishwakarman, em sânscrito), projetando-se como Paráklitòs ou “Advogado” das Nações, com Deva-Yana à destra e Pitri-Yana à sinistra.

Nos dois últimos parágrafos, encontra-se a chave oculta de alguns dos Mistérios da Tradição das Idades, e também da origem e razão dos Impérios que, se seguir o fio quase sutil das tradições histórico-religiosas, remontam aos cultos lunissolares dos Atlantes ibéricos.

Na folia do Império, o ritual de imolação do touro pelo povo, num improvisado toureio, sugere-me uma ressureição do culto bodivo de Ísis, venerada durante o Período Luso-Romano em quase todo o território nacional, tendo-se divinizado esse animal, características que depois a Igreja soube logo assimilar. Nesta tendência enquadram-se as bênçãos de animais e a tolerância para a sua participação em festejos de índole religiosa, como o boi de S. Marcos, em Alter do Chão; o boi bento de S. João de Braga e os bois consagrados junto à igreja circular ou votiva (formato identificado por Francisco de Holanda, no século XVI, à História Eucarística, e por mim ao Rodel do Espírito Santo, tanto valendo por Tur-Zim-Mumi – “O alado touro sagrado cavalgado por AKBEL”) de S. Mamede de Janas (perto da qual o pintor teve casa ou “monte”. Orago por Lei de Causalidade é o meu de Batismo Sacramental), nas cercanias de Sintra, no caminho para as Azenhas do Mar e para a igreja de S. Lourenço dos Anciãos onde, outrora, os Cavaleiros da Ordem do Mariz, se reuniam, junto à azenha ou mó marinha.

Ísis era apelidada piedosamente de “Vaca Divina” ou “Nutridora Celestial”; de acordo com esse último epíteto, será a carne do touro imolado que irá alimentar todos quantos, indiferenciando posições sociais e religiosas, se sentarem à mesa comum do Bodo.

Tal qual se pratica na Ilha Terceira, Açores, e se praticava na Lisboa quinhentista, fez-se, até bem pouco tempo, no lugar do Penedo, a tourada à corda, amarrando duas extensas cordas às hastes emboladas do cornúpeto, e dois ranchos de homens, puxando cada qual para o seu lado, procuravam sofrear-lhe o ímpeto. Lentamente a multidão ia comprimindo-se em torno do animal até este não se poder mover. Então, o matador, manejando habilmente a choupa (facão) sobre o pescoço da rês, à frente de todos abatia-a, sem que ninguém esboçasse um gesto de dor ou de repugnância. Era apenas um ritual milenar que se cumpria...

O touro simboliza a Mãe-Terra, a Vaca Sagrada Bhumi. Tradicionalmente, os ranchos que seguravam pelas cordas as hastes da rês eram de seis homens para cada banda. Representavam os doze signos do Zodíaco num fatalismo cósmico ligados ao destino da Terra, encadeada pelo Cordão de Ariadne, com seis signos Terra – Água ligando-se ao Passado, à Fase Descendente; e outros seis signos Fogo-Ar relacionando-se ao Futuro, à Fase Ascendente. O matador, como 13ª personagem que não participava dos ranchos, limitando-se a aguardar o momento fatal, assinalava o Sol sacrificando a Terra, determinando pelo relógio das constelações o final de um Ciclo, para que outro possa surgir como Novo Período ou Império.

Os cultos bodivos ou Taurobólios eram, na Atlântida, praticados por sacerdotes e sacerdotisas de Mu-Ísis, implorando em suas antifonias e litanias à constelação do Boieiro, Pai da Mãe-Terra, através de Vênus – Balança (signo regente da Atlântida), proteção e alimento para eles e seu povo.

No final, os oficiantes do templo de Netuno, deus supremo do panteão atlante, representado por Atlas, adormeciam com uma beberagem mágica uma vaca branca e sacrificavam-na. O seu sangue era colocado numa imensa pira no pedestal do ponto mais elevado do templo. Faziam uma fogueira ritual e ofereciam o sangue à Deusa – Mãe (IÓ), derramando-o no fogo (tradição que os Levitas Hebreus herdaram dos Semitas atlantes e praticavam-na com o sacrifício de animais no Altar das Oferendas do Templo de Salomão).

Os restos da rês eram distribuídos pelo povo, cada qual guardando um pedaço da carne sagrada (a primitiva hóstia identificada aos templos votivos ou circulares), como se tratasse dum poderoso talismã propício à proteção da Lua, de Mu-Ísis, Alma Psíquica da Terra, e desfrutar até o próximo Rodel Imperial (assim se chamava o ritual praticado no templo circular ou votivo de Netuno) das suas benesses e graças.

O Bodo ou Bodivo eram vocábulos com que se designavam os antigos Ágapes, “refeições rituais”, que nos primórdios do Cristianismo realizavam-se no interior dos templos.

Viterbo diz que, em Portugal, “não há dúvida alguma que estes ágapes se continuaram e com a moderação possível, durante o jugo dos Sarracenos”, portanto durante o Período Moçárabe. Após a vitória dos Cristãos, a piedade religiosa fez recrudescer estes “bodivos que, ao depois, se disseram bodos, isto é, refeição, jantar ou comedoria, que aos pobres se dava pelas almas dos defuntos”.

Essa cerimônia do “Rodel Imperial” possuiu um especial relevo entre os Vascos ou Bascos da Península Ibérica, gente lunar de descendência atlante, adoradora do astro noturno, em oposição aos Gallaici ou Galegos portucalenses adoradores do Sol, de Mu-Ká do templo de Jehovah, Io-Pítar ou Júpiter, Zeus, o Pai dos Deuses, que veio a ser o deus Lug e depois o Endovélico, e, com a instauração da Monarquia Lusitana, o Arcanjo Custódio de Portugal, Mikael, o Metraton (Orago das sinagogas ibéricas).

E, por razões causais, Portugal está sob a custódia ou influência astrológica de Peixes-Netuno, assim como toda a Península Ibérica é influenciada por Sagitário-Júpiter!...
Será essa a razão fundamental de as touradas terem a sua origem na Península Ibérica, e tanto o rodel atlante como o atual não são senão um Zodíaco em cujo constelado se senta o público; o Iniciador, Hierofante ou Mestre, é o Cavaleiro; os bandarilheiros são os Companheiros, e os forcados, por sua vez, os Aprendizes. Os primeiros vão sobre o cavalo (símbolo perfeito do Sagitário), significando a natureza superior do homem dominando a natureza inferior do animal ou anímica. Os Companheiros, ao porem as bandarilhas ou bastões, já começam a sentir-se superiores à fera, sendo já à maneira do Arjuna do Baghavad-Gïta perseguindo o inimigo, e o Mestre-toureiro com a capa vermelha tamásica da ilusão, dominando Maya, e com a Espada do Conhecimento Iniciático resulta, ao modo do deus Krishna do acima citado Poema, não o perseguidor mas o Matador da fera, da simbólica besta bramadora, enquanto os Aprendizes ou forcados, ainda indefesos na arte de bem domar, a enfrentam com as mãos nuas, sujeitando-se às incertezas da sorte.

Há uma diferença crucial entre touro e vaca: o touro representa o Fogo, o Solstício de Verão, o Deva-Yana (“Anjo da Sabedoria”) ligando-se ao 5° Mundo Espiritual, à Natureza fecundante e plena. A vaca assinala a Água, o Solstício de Inverno, o Pitri-Yana (“Pai da Sabedoria”) ligando-se ao V Império Terreal, à Natureza fecundada e gestante, logo recolhida ou interiorizada durante os frios gélidos da Estação. Nas touradas, são as vacas que conduzem os touros ao recolhimento do redil!... o Bodo da Festa de Pentecostes é preparado por mulheres e a elas, as de Sintra, se deve a invenção dum bolo doce, especialmente preparado para a ocasião: os bolos da lua, que se tornariam as tradicionais e saborosas queijadas!...

Segundo a Sabedoria Iniciática, as Estações são regidas por 4 poderosos Arcanjos, na Tradição Teúrgica, os “4 Maharajas”. O Solstício de Verão é regido pelo Arcanjo Mikael (Fogo); durante os três meses de seu Império tem por símbolo a imagem da Pomba, associando à cor azul-celeste da Mãe Natureza, o vermelho vivo da aura humana enrubescida pelo enxofre veraneal, e tendo por destaque a ourífera ação substancial do Pai Eterno, o Logos Solar. Entre o Pai e a Mãe contempla-se o Filho. O Império do Espírito Santo nasce assim. O fundo sobre o qual se destaca é dado pela figura de Mikael, “Quem é Deus” (Qui ust Deus), que sendo o “Primeiro em Deus” (Primus Deus) é o próprio Deus como Sollis Vitae, representado no sítio do Penedo pelo Orago deste: Santo Antônio (Aton, o Sol) do Espírito Santo.

Ora as cores tradicionais do Paracleto são, precisamente, vermelho entremesclado com dourado sobre fundo azul-céu. Quanto aos “Quatro-Maharajas”, na nomenclatura judaico-cristã, são:

RAFAEL – PRIMAVERA – NORTE – AR
MIKAEL – VERÃO – SUL – FOGO
GABRIEL – OUTONO – LESTE – ÁGUA
AURIEL – INVERNO – OESTE – TERRA

Três Santos são ao Patronos tradicionais dos festejos populares do Império do Divino Espírito Santo: S. João Batista, S. Sebastião e o Anjo Custódio.

De São João, o Anunciador do Império Universal a ser instaurado pelo Quinto Cavaleiro Apocalíptico, o Senhor da Espada Flamejante, já falei. Aliás, a Escritura Joanina é a preferida das tradições ocidentais por ser a que mais se enquadra na Religião Solar do Verbo Criador.

Segundo STEINER:


“foi Lázaro quem escreveu o Evangelho de João. Realmente Lázaro recebeu do próprio Cristo a 4ª Iniciação (de Arhat ou Chrestus, equivalente à Crucificação ou Morte), descendo à Cripta, aos Mundos Inferiores ou Interiores. Ressuscitando do estado cataléptico como desdobramento consciente da alma ao terceiro dia e tornando-se, assim, um Dwija ou “Duas Vezes Nascido”, a primeira vez de Mulher ou pelo Corpo, e a segunda vez de Homem ou pelo Espírito, logo um Iniciado Perfeito. Ora os Preclaros Membros da Linhagem dos Arautos ou Yokanãs, os São Joões, Escudeiros da Obra do Avatara de Peixes, eram todos eles Grandes Iniciados que haviam passado pela Crise da 4ª Iniciação, tornando-se desse modo Chrestus ou Arhats de Fogo, sendo Lázaro o símbolo vivo dessa Coletividade de Iluminados por Obra e Graça do Espírito Santo – O Terceiro Logos, Shiva ou Adam-kadmon. (1981)


A luz do Livro do Akasha, Lázaro significa realmente:
LÁZARO OU LAHZAR = O Iniciado bíblico.

LAZARIM = A coletividade dos Iniciados aramaicos (os LAZARETH, que viviam em Nazar-Heth – Nazaré -, então uma comundade dos Nazar, que se tornavam Lazareth quando passavam da 3ª para a 4ª Iniciação. Esta Companhia ficou conhecida na História como Ordem dos Essênios, tendo por Instrutores os Nazar, por Iniciadores os Lazareth e por Patriarcas ou Perfeitos os Lazarinos. Os Lazarinos ou Lazarim eram os “Duas Vezes Nascidos”, possuidores da 5ª Iniciação Real e tendo se reintegrado no 5° Reino Espiritual representado pelo Mundo de Agharta; viviam em isolamento quase total nas grutas espalhadas ao longo das margens do Mar Morto, montando guarda a Relíquias Vivas de que não me é lícito falar!... João Batista, João Evangelista, Jesus, Lázaro, Paulo e uns quantos mais eram Lazareth que depois vieram a ser, pelo processo de Iniciação, Lazarim.

O topônimo jina Lazarim é, inclusive, o de uma localidade na margem sul do Rio Tejo, próxima de Cruz de Pau, neste contexto valendo por palos do Madeiro inflamado dos Arhaths de Fogo, os Lazareth.

O Cristo era o Messias, o Enviado de Heli, o Sol Espiritual, sendo o Chefe Supremo de todos os Lazarinos ou Adeptos Reais.

Para terminar esta análise, tenho a reconhecer que o mal da atual teologia católica é não saber distinguir entre o Emanente e o Transcedente, entre o Jesus-Homem e o Cristo-Deus. São Entidades perfeitamente distintas, ainda que interligadas.

São Sebastião que morreu atravessado por três flechas – Patrono dos Templários de Tomar – escreve-se SBSTH, o “Homem-Serpente” (Homo Serpens), equivalente ao Iniciado na de Cripta, e, no plano da Natureza, à força telúrgica encadeada num lugar ou pessoa (Homo Teluricus), ou em ambos simultaneamente. As flechas representam as três qualidades básicas da Matéria: Satva, Rajas e Tamas, ou sejam, Energia Centrífuga, Energia Equilibrante e Energia Centrípeta. Nas igrejas que têm por Orago São Sebastião, é costume verem-se retratadas iconograficamente as três flechas enlaçadas por uma coroa: designa a Matéria Coroada, melhor dito, o Mundo Coroado pelo Espírito Criador de Sebastião, o Profeta e também Consolador da Humanidade desprotegida representando, num nível mais íntimo ou templário, a natureza coletiva do Povo Jina. No Festejo do Império Divino, Sebastião é assumido como Português, e, como tal, mitosoficamente Portugal é o País Sebástico destinado a Consolador das Nações...

Quanto ao Arcanjo dito Anjo Custódio, já se sabe tratar-se de S. Miguel, melhor dito, Mikael, prerrogativa concedida por D. Manuel I a Portugal de invocá-lo como Guardião Nacional ( o Espírito da Egrégora ou “Alma Sinergética” do Reino), pois a ele compete por missão velar pela Terra dos vivos e pelo Oceano dos mortos, visto ser o Guardião do Umbral entre a Mortalidade e a Imortalidade. Por isso possuía também o nome de Bérrio, por separar os viventes dos não viventes e demarcar a fronteira entre os Mundos Espiritual e Material.

Mikael tem por atributos a Balança e a Espada; uma pesa as almas separando os justos dos injustos, impondo a Lei da Justiça Universal, representada por Vênus. A outra designa a Harmonia Universal, a Ordem, o Verbo, a Paz assinalada por Mercúrio. Dá-se aqui a identificação de Mikael com o Melkitsedek bíblico, Rei e Sacerdote, e modelo do Prestes João, Rei de Justiça (LEX) e de Salém (PAX).

A manifestação do Arcanjo Primeiro, Custódio do Reino, assinala sempre a glória da Shekinah, a Grande PAZ e LUZ do Messias, sendo representada pela 10ª Sephiroth: Malkuth, com o significado de o “Reino” (Assiah) e o “Justo” (Tsedek).

Portugal assume-se, assim, desde os primórdios da sua existência como País estruturado, e com a cobertura de Cister, de Avis e do Templo, como Ungido de Deus, pois o Sacerdócio de Melkitsedek, compatível com o conceito de Realeza Divina, corresponde ao de El – Elion e este ao de Emanuel, razão de não pouco peso para que, no século XVI, o Rei D. Manuel I. Emanuel de nome, antes Mestre da Ordem de Cristo e não menos curiosamente o 14° Rei de Portugal (como aliás a Profecia de Isaías exigia), se apresenta como “Rei de Portugal e do resto...”, isto é, como Rei do Mundo, conforme está gravado na lápide de seu túmulo no Mosteiro dos Jerônimos, Lisboa. O que lhe confere, inclusive, legitimidade para convocar a cruzada contra o Turco, como se depreende das suas cartas ao Cardeal de Cisneros.

O próprio nascimento do Rei Venturoso é rodeado de sortilégio e celestial desígnio, conforme relata GÓIS:


“E parece que houve em seu nascimento mistério, porque havia já alguns dias que a Infanta Dona Beatriz, sua mãe, andava com dores, sem puder parir, e quis Nosso – Senhor alumiá-la com o Santo Sacramento, chegando à porta da sua casa, por onde passava procissão, e por o dia em que nasceu ser o da invocação do venerável Sacramento, lhe puseram o nome EMANUEL, o qual nome é um dos grandes do Senhor Deus, cuja festa se celebrava naquele dia, em que lhe aprouve dar ser tão exaltado e glorificado como ao presente é por todo o universo, onde por meio, indústria e despesa deste magnânimo Rei a Nação Portuguesa por armas, ou por amor pôde penetrar”. (GÓIS, 1566)

Eis o significado do nome “impérios populares”, das suas origens míticas, dos toureiros e dos santos da invocação do Pentecostes. Falarei, agora, do Imperador e da tríplice Coroação durante a cerimônia do Divino Império!.

O Menino – Imperador, empunhando com ambas as mãos o cetro, símbolo do Poder Temporal do Mundo e do Monarca Universal, vem ladeado por outro par de meninos: à esquerda, o imperador do ano transato transportando a bandeira do Império, religiosamente guardada na igreja durante o tempo que medeia entre duas Festas. Representa o Império Cíclico dum momento passado e o Guardião da Tradição. À direita, o condestável com o espadim real ou faim, palavra que Bluteau considera já antiga, encostado ao ombro esquerdo (o lado passivo, subjetivo do homem, do que está por cumprir), será também coroado para reger no Império do ano seguinte. Designa o Mantenedor da Tradição no futuro Império Cíclico.

A designação de Império, nesta tradição popular, equivale à Festividade Pentecostal, sendo a Casa do Império ou lugar onde se guardam as alfaias, a Igreja do Império onde se celebra a Missa de Pentecostes e se faz a Coroação, o Terreiro do Império, espaço aberto fronteiro ao templo, onde tem lugar a morte do touro e o bodo, a Cabeça do Império, finalmente, é a Confraria do Espírito Santo local encarregada de escolher o Imperador pelos dotes de “bem e virtude” de sua família, pelo que para esta nomeação é a maior honra que pode almejar.

Voltando à tríplice Coroação dos três Meninos ou Delfins (representando) a MAITREYA em Sua Expressão Uno-Trina), ela não deixa de estar associada à tríplice tiara de S. Pedro (o Penedo, a Pedra Angular da Igreja iluminada pelo helíaco St° Antônio) e de S. Bernardo, juntos simbolizando o Androginismo Perfeito, as duas polaridades equilibradas, e simultaneamente o Governo Duplo, Temporal e Espiritual, interdependente, ambos corporizados no BRAHMATMÃ, o Rei do Mundo como o mesmíssimo MELKITSEDEK, Cumeeira da Hierarquia Planetária tendo como emblemática duas chaves sobre o Céu, da Terra e do Inferno. Há nisto uma analogia com a tríplice Coroação dos Infantes e os tempos existenciais.

IMPERADOR – PODER TEMPORAL – EM CUMPRIMENTO
SÍGNIFERO – VONTADE POPULAR – O CUMPRIDO
CONDESTÁVEL – AUTORIDADE ESPIRITUAL – A CUMPRIR

Nos Açores, o Menino-Imperador é conduzido, vestindo os trajes tradicionais de capa vermelha, calção e jaqueta em outro misturado com azul e calçando sapatos brancos, montando num cavalo branco, para a Missa de Pentecostes, com os imperadores dos anos ido e porvir atrás, a pé.

É a representação clássica do Paracleto (assinalado no Arcano 19 do Tarô – “O Sol), o Cavaleiro da Espada Flamejante de 9 Raios, Akdorge, cristianizado São Jorge, símile terreal de Mikael celestial que, segundo o Profetismo Lusitano, advirá das Brumas do Futuro, a fim de instaurar na Pátria por Deus escolhida o 5° e derradeiro Império Universal dos Justos e Perfeitos, desses que são as verdadeiras Crianças do Senhor!.

Por falar nisso, a preferência num menino, terá a ver com algo novo a criar e que, para o Bandarrismo judaico-cristão, é a imagem do divino Delfim adventista, o que se enquadra na sigla Sebástica e Graalística: Adveniat Regnum Tuum, pelo que também é identificado como a simbólica de um Novo Movimento Espiritual. Para mim, representa o Menino – Messias, o Cristo da Nova Era à dianteira do Movimento de Mestres, Iniciados e Discípulos de Aquário!...

Os Impérios foram levados do Continente para a Madeira e os Açores a bordo das caravelas da Ordem de Cristo, em Quinhentos e Seiscentos, em que iam juntamente muitos Franciscanos Beguinos, aos quais se deve, indubitavelmente, a disseminação das Folias do Império como base da Festividade Pentecostal, nas Ilhas adjacentes.

Açores provém etimologicamente de açor, ave de rapina semelhante às águias que foi cultivada no Arquipélago pelos primeiros colonos. Na sua totalidade, o Arquipélago dos Açores é uma semielipse, uma grinalda de ilhas em torno de um núcleo tríplice central formado pelas ilhas do Pico (elevando-se 2.300 metros acima do nível do mar), Faial e São Jorge. As duas mais ocidentais e mais vizinhas da América do Norte são as das Flores e do Corvo. Ora nesta última, Príncipe Dom João, havia ali uma enorme estátua eqüestre que, para mim, deverá recuar no tempo à lendária Atlântida.

Resumidamente, diz o cronista D. João VI:


“numa das ilhas mais extremas dos Açores, no alto de um monte, encontrou-se uma estátua, que saía maciça da mesma pedra, representava um homem a cavalo coberto com um manto e a cabeça descoberta. Com a mão esquerda agarrava as crinas apontando para o Ocidente.” ([16--], p. 53)


D. Manuel I mandou o seu vassalo Duarte d’Armas fazer um desenho dessa estranha figura, e posteriormente, deu ordem para que a trouxessem para a sua corte, porém só chegaram a Lisboa vários troços, dentre eles a cabeça, braço e mão direita, como também parte do cavalo, peças todas que foram guardadas no gabinete do Rei e que hoje não se sabe onde param!.

Na base em que assentava a estátua havia algumas letras esculpidas. Elas foram reduzidas em cera no ano de 1529 por Pedro da Fonseca, porém ninguém soube decifrar o seu significado. A estátua se encontrava no cume noroeste da serra que se eleva até ao centro da ilha do Corvo.

Esse cavaleiro pétreo é substituído presentemente por outro Cavaleiro, este de carne e osso: o Menino Imperial do Festejo do Espírito Santo, encarregado de transladar a Tradição Pentecostal Portuguesa para o Quinto Continente, para o Canadá e Américas. Nestas, destacando-se o Brasil, onde os sertanejos e bandeirantes a disseminaram, tornando S. Lourenço de Minas Gerais como centro axial do Divino Império Brasileiro, a “Nova Lusitânia” de que fala Pedro Mariz.
Dessa exportação do Império Soberano de Portugal para o Brasil, falam diversos autores brasileiros a nós irmanados pela mesma Pátria que é a Língua Portuguesa, nas palavras do Vate.


Diz Araújo:


“A festa do Pentecostes, que no meio rural é conhecida pelo nome de Festa do Divino Espírito Santo, é uma das mais antigas tradições religioso – profanas que possuímos. Oriunda de Portugal, pois foi introduzida pela Rainha Isabel, aqui aportou nos primórdios da colonização”. (1954, p. 63.)


Já antes Almeida havia escrito:


“A origem desta tradição sob o céu do Brasil é contada por Melo Morais Filho em seu apreciado livro Festas e Tradições do Brasil, em que diz: Referem antigos cronistas que as festas do Divino foram instituídas em Portugal pela Rainha Santa Isabel...” (1939, p. 33.)


Por seu turno, Câmara Cascudo explica:


“Desde o século XVI foi festa divulgada no Brasil, dizendo-se que datava em Portugal de El-Rei Dom Diniz lá pelo ano de mil duzentos e tantos, logo após seu casamento com a Rainha Santa. Teve essa festa por berço a então vila de Alenquer, de onde se irradiou por todo o continente português, instalando-se definitivamente e com raízes profundas no arquipélago dos Açores desde o início de seu povoamento regular.” (1954, p. 236)


Assim, através desta Festividade Sacro-Imperial sob o sinete do Espírito Santo, Portugal – Brasil jungem-se também aqui como Pátria – Gêmea onde impera uma só Língua, um só Valor, um só Espírito sob a chancela do Quinto Senhor, o Cristo de Aquário, CHENRAZI AKTALAYA MAITREYA.

Cada homem e cada povo invocam o nome de Deus. O convívio experienciado de três tradições filosóficas e teológicas – Judaísmo, Cristianismo e Islamismo – serve de testemunho aos construtores do V Império. Com o vindouro Infante de Sagres, o Espírito passará.

Em jubilosa esperança fica-se aguardando por entre as três colunas do Templo do Espírito Santo: a Saudade, o V Império, o Messias.

Como preconiza Gomes:


“Nesse dia celebraremos a missa sobre o mundo. No altar do mundo, a missa de louvor de toda a humanidade. A liturgia já não celebrará os mistérios da paixão e da morte. A literatura litúrgica arquivará as orações de súplica. Tudo será liturgia de louvor. Cantaremos e adoraremos, ternos-emos associado para amar e, desse modo, já desnecessário será pedir, suplicar. Só louvaremos, pela liturgia do louvor, como anjos reboando, pombas brancas, no azul-celeste, entoando glórias à Vida”. (1992)


Esta leitura sobre as festas do Divino permite entender todo o ritual atual das festas no município de Osório. Das festas antigas às atuais, os símbolos permanecem os mesmos com os mesmos significados.

2 IMPÉRIO DOS NOBRES: O QUE RESTA DE UMA TRADIÇÃO


Todos os anos, por alturas do Pentecostes, a Câmara Municipal da Horta , em Portugal, promove as solenidades relacionadas com data. Essa iniciativa, como se sabe, vem na seqüência de um voto feito pelo povo da ilha do Faial, reconhecido por ter sobrevivido à violenta erupção vulcânica que se verificou entre a Praia do Norte e o Capelo, a 24 de Abril de 1672, e deu origem ao Império dos Nobres. Recorramos aos Anais do Município da Horta, de Marcelino Lima, para traçar o historial dessa festa do Espírito Santo, que, sem dúvida, é a mais importante da ilha: as festas do Espírito Santo tinham decaído em toda a Ilha do Faial.

A desgraça, a pavorosa desgraça, destruindo num instante habitações e vastos campos de pão, foi como um aviso celeste que reavivou a fé nos corações. No primeiro de Maio, porque o fogo decrescera, “os devotos do Espírito Santo levaram mastros com suas bandeiras nos lugares onde era costume fazerem suas arramadas e dar suas massas de comer aos pobres”.

Na igreja da Misericórdia houve festa; e foi nesse mesmo dia e igreja que os da nobreza “resolveram instituir nova irmandade em louvor do Senhor Espírito Santo, que os mais antigos conservavam e com a morte dos principais se extinguira este compromisso que de novo elegeram. Assim mais concordaram que em dia do Senhor Espírito Santo, todos os anos e enquanto o mundo durar sairá uma procissão solene ordenada pelos ditos oficiais da Câmara, da igreja Matriz desta Vila e se recolherá na igreja da Misericórdia. Será cantada missa com sermão a que assistirá o corpo da Câmara fazendo – se gastos e despesas à custa dela em ação de graças, tomando todos os moradores desta ilha por seu protetor e padroeiro dela imemorável o mesmo Divino Espírito Santo. Esperam alcançar vencer a força do dito fogo e consiguir nesta ilha grandes felicidades, paz e concórdia entre os moradores dela. Assim se constituiu o chamado império dos Nobres, o mais notável da ilha.

A arramada ( império) hoje muito diferente do que primitivamente foi, sempre se realizou, como ainda se realiza, na rua da Misericórdia – atual rua de D. Pedro IV. O teatro ou cadafalso armava – se no meio da rua, um pouco adiante da presente casa do império, que só em meado de 1700 é que foi construída. No teatro ( um tablado espaçoso defendido do sol por uma cobertura de ramagens) expunha –se a coroa, como já disse, e aos irmãos oferecia o imperador o jantar da festa. A arramada propriamente dita, debailxo da qual se procedia à entrega do bodo aos pobres, fazia – se defronte do teatro, em toda a extensão da rua, até à igreja da Misericórdia.

Outrora a solenidade do império dos Nobres (conforme o auto da instituição) começava por uma missa rezada na Matriz; finda esta, saía o imperador em procissão, de coroa na cabeça, nas mãos o cetro, caminhando o pagem ao lado com o estoque, a caminho da igreja da Misericórdia. Os foliões, entregues ao seu foliar, abrim o cortejo formado por duas alas de irmãos e convidados empunhando varas – uso hoje ainda não de todo abolido, lembrando as canas conduzidas no tempo da Rainha Santa. Após a missa solene, nova procissão até ao império, que já devia ter as esmolas dispostas nas mesas, debaixo da arramada, para serem abençoadas pela passagem do Espírito Santo.

Depois do meio – dia, no teatro, tinha começo o jantar, que se prolongava até tarde. O imperador sentava – se na cabeceira da mesa com os dois trinchantes, um de cada lado, e a seguir os irmãos, que se iam revezando à proporção que se avolumavam de comesaina.

Mas este império restabelecido com grande aflição, ao cabo de algumas dezenas de anos decaía de novo, em razão dos excessos de vaidade que os abastados haviam introduzido (disse o procurador Mendonça Furtado em sessão de 29 de Abril de 1747), oferecendo banquetes lautos que os apenas remediados não podiam imitar, resultando disso muitos esquivarem –se à obrigação de imperador. Reunidos em nova sessão daí a dias, com a assistência de várias pessoas da nobreza:


“sentaram que o imperador seria obrigado a contribuir com tudo o que for necessário para o serviço de sua mesa no teatro, na forma que até ao presente se tem observado, a qual se findará com um só serviço de doce, e no que respeita às esmolas que ele dito imperador deve dar aos pobres de pão não será menos dum moio de trigo, carne proporcionada ao dito pão repartido em esmolas, e não terá obrigação de contribuir com mais cousa alguma...”.


Entre as famílias de maior posse, onde um homem era o chefe, era, geralmente, escolhido o imperador. Estas famílias faziam questão de mostrar aos parentes e amigos de menores posses o tamanho de sua riqueza, através de grandes banquetes nas Festas do Divino Espírito Santo. Assim, eram inibidas as famílias de poucas posses a concorrer, no ano que se seguiria, à escolha do imperador. Posteriormente, após reunião com a comunidade, ficou determinada a quantidade de alimentos que o imperador poderia proporcionar à comunidade nos dias da Festa do Divino Espírito Santo. A intenção dessa decisão era permitir que homens de várias classes sociais tivessem a oportunidade de concorrer para imperador, dando continuidade às Festas do Divino sem grandes banquetes, denotando assim, que a festa pertence ao povo e não a poucas pessoas com maior poder aquisitivo, podendo, inclusive, ser organizada pela irmandade e o imperador juntamente com a comunidade carente, que comia a carne uma vez só ao ano, na Festa do Divino Espírito Santo.

“Um só serviço de doce...”. Esta frase traz – nos à imaginação o que seria a torrente de guloseimas rodando por cima daquela mesa, em louvor do Espírito Santo. Eu calculo: fartas travessas de arroz doce, pratadas de ovo real, pão de ló, trabalhados alfenim...

Do que fica dito não só se avalia a importância desta festividade há dois séculos, como se obtém uma sucinta idéia das suas características – a jantarada oferecida pelo imperador no teatro, natureza das esmolas e condições da entrega debaixo da ramada, etc.

Parece que as resoluções tomadas influíram para a regular existência do império, pelo menos durante largo período. Levam-me a tal suposição algumas festas de luzimento que ali se realizaram no primeiro quartel do século XIX.

Uma, efetuou-a o cônsul francês Sergio Pereira Ribeiro em 1812. Concorreu com todo o bodo aos pobres. Era então a Câmara que fazia os convites para o serviço do império, tanto no teatro, como na arramada: nesse ano, porém, foi ele imperador, Sérgio Ribeiro, que escolheu pessoas para as funções de copeiros e trinchantes, de porta – estandarte, de capitão da guarda. Oito oficiais de milícias conduziram as lanternas e pegaram às varas do pálio.

Outra festa, a mais grandiosa de que há memória na Horta, foi feita em 1822 pelo morgado Jorge da Cunha, pela sua grande fortuna e hábitos de ostentação, dava sempre a todos os atos da sua vida requintes de fidalguia que o notabilizaram. Constituiu um deles esta festividade do Espírito Santo.

Em 1831, realizou-se outra festa sensacional, embora não tanto ruidosa como a do morgado Cunha, mas também de grande aparato. Fê-la a baronesa da Alagoa, D. Francisca Paula, consorte do morgado Terra, em cumprimento duma promessa, quando da prisão política de seu marido. Coroou seu filho Tomaz José Brum Terra, que trajava capa de seda preta com vistas encarnadas, calção e meia de seda. Serviu de pagem, conduzindo o estoque, o outro filho, Manuel Maria da Terra Brum, que teria então sete anos. Vestiram-se doze pobres; o bodo foi abundantíssimo e pejada de iguarias a mesa do teatro. A residência do morgado, que era ali mesmo, esteve engalanada de ricas colgaduras e de bandeiras. Houve um baile esplêndido, que ficou memorável, e também iluminação em toda a rua da Misericórdia.

Nesta época, os gastos que a Câmara fazia com o império somavam apenas 18.880 réis assim descriminados: pregador 8.000 réis de tabuado e barris para as mesas, 3.680 réis. A despesa do bodo e do jantar no teatro andava, como sempre andara, exclusivamente à conta da nobreza.

Mas o império correu outra vez o risco de se extinguir. Não havia quem quisesse ser imperador. Para obviar a esta situação lastimável, talvez originada pelo jacobinismo vintista, que considerava progresso o desligar-se de peias religiosas, tomou a Câmara em 1825 uma deliberação radical: não se fazer despesa alguma com o império, nem com foliões, nem com assados e farelórios, aplicando todo o dinheiro cobrado no bodo aos pobres, que foi distribuído, logo que findou a missa, na casa da escola de filosofia (atual casa império).

Não se tem notícia deste sistema se ter mantido nos anos seguintes. Porém, em 1837, era já a Câmara que se encarregava de receber dos particulares a importância para o bodo. Garcia do Rosário, contemporâneo do fato, diz: “sensibilizada (a Câmara) por não se desempenhar a outra parte, a mais principal, que era matar a fome aos pobres, cometeu a baixeza de andar pelas portas dos nobres pedindo com que se arranjasse algumas rações aos pobres e tomando ao cuidado o que não lhe competia; continuou isto ao ano de 1844”.

Nesse referido ano de 1837 o produto para as esmolas do império foi de 101$890 réis, que o vereador Sebastião de Arriaga obteve e apresentou em sessão de 13 de Maio. Acordaram os vereadores (para se livrarem de maçadas) que, em vez das rações de pão e carne entregues no império, se distribuísse aquela quantia pelas amas dos expostos, na razão de 480 réis a cada uma, no dia da festividade, antes da missa. Estavam fora da letra do voto. Era deturpar, senão repudiar o antiqüíssimo, piedoso desejo do povo.

Na sessão de 9 de Maio do ano seguinte, como o auxílio dos particulares era já quási nenhum, deliberou a Câmara convidar a irmandade a tomar conta da realização do império, e, caso assim não pudesse ser por falta de irmãos, que se extinguisse o voto. Este alvitre boliu com os nervos da nobreza, e o voto continuou. Mais até – reanimou-se.

Este novo interesse pelo império dos Nobres suscitou à Câmara a idéia de se reconstituir a irmandade. Era então presidente do Município o há pouco e já mais de uma vez citado, Francisco Garcia do Rosário, advogado e ex-governador civil.

No auto lavrado por este motivo, em livro especial, aos 23 de Abril de 1845, dizem ser criada de novo a irmandade “para que se não extinguisse a pia devoção do voto instituído e não tomar a Câmara sobre si o incómodo de andar mendigando pelas portas o fundo necessário para o desempenho da referida promessa”. Convidaram para fazer parte da irmandade numerosos cidadãos, sem atender a tradições de nobreza, já muito reduzida, ao passo que a da abastança e dedicação, neste caso, é que era essencial; e nesta conformidade, eivados pelas idéias democráticas da época, substituíram a denominação de império dos Nobres pela de Império de Reconhecimento e Beneficência, que julgaram mais atual e verdadeira. Os irmãos podiam ser, quer do sexo feminino, quer do masculino, e tinham a faculdade de concorrer com uma ou mais ações para as esmolas, correspondendo uma ação a seis esmolas, cada uma composta de três pais, quartilho e meio de vinho e uma libra de carne. Ficavam a cargo da Câmara a festividade religiosa e os serviços do império.

Alguns anos depois, nova tentativa de alteração do voto. Propôs o vereador Joaquim Pereira de Lacerda (sessão de 18 de Março de 1863) que o valor das ações com que os irmãos concorriam fosse reduzido a inscrições da dívida pública ou depositado na Caixa Econômica e com os juros se auxiliasse o Asilo da Infância Desvalida. Na sessão imediata (a 22) deliberaram Câmara e irmandade, conjuntamente, que se não alterasse as antigas disposições, sempre respeitadas do voto. Demais, cobrar dinheiro para uma cousa e aplica-lo noutra, não significava alteração, mas pura e simplesmente negação do estabelecido.

No entanto, a indiferença, tão peculiar à natureza humana, mais uma vez entibiou o entusiasmo do componentes da irmandade, a ponto que esta, em 1880 e tal, praticamente não existia, e era a Câmara que de novo se encarregava das obrigações do império – mendigar a importância das esmolas e realizar a festividade.

Veio por fim a Republica, toda entufada de critério, atirando vassouradas a velharias e praxes, e o Município, “seu mui digno” representante, repudiou afanosamente o compromisso dos antepassados, feito numa hora sagrada de penúria e de angústia, expressão da mais pura beleza moral – a Caridade. Então um grupo de particulares tomou sobre si o dever, que se impunha desde longuíssima data, e continuou cumprindo, de conformidade com a tradição, o voto instituído.

Presentemente é de novo a Câmara, regressada ao bom senso, que se incumbe da festividade religiosa e serviços do império, contribuindo de mão dada com alguns particulares para as despesas do bodo. Normalmente distribuem-se 800 a 1,000 esmolas.

Mas, de simplificação em simplificação, o império dos Nobres, a não ser o pão e carne que dá, já pouco, muito pouco representa do que foi no seu início.





CONCLUSÃO



O trabalho de pesquisa que foi apresentado, investigou a Cultura – Sócio Religiosa das Festas do Divino Espírito Santo no município de Osório.

O problema proposto para este trabalho de pesquisa procurou analisar quais as transformacões que podem ser percebidas nas Festas do Divino Espírito Santo em Osório, desde a sua origem até a contemporaneidade. Os objetivos buscaram identificar a Cultura das Festas do Divino durante a formacão e o desenvolvimento do muncípio de Osório; localizar o grupos das folias do existente hoje; tracar paralelos entre a manifestacão inicial e a prática atual; identificar e analisar os fatores que contribuíram para as transformacões somadas à prática cultural nos dias de hoje; reunir depoimentos, documentos, fotos, etc. que possam ser utilizados para caracterizar a Festa do Divino e avaliar o atual estágio das Festas do Divino Espírito Santo no Município de Osório.

Para isso, havia sido elaborada a seguinte hipótese: Em análise às Festas do Divino uma cultura acoriana que até hoje se desenvolve no município de Osório, percebe – se que essa manifestacão popular sofreu aculturacões. Sabe-se que, nas tranformacões sócio culturais na região ao longo dos anos, estão presentes nas influências de origem evolutivas e étnicas, contudo a Festa do Divino manteve-se viva na comunidade de Osório, através da igreja e de grupos de apoio da sociedade osoriense.

No primeiro capítulo analisei a vinda dos açorianos para o Brasil, razões e políticas adotadas pelos governantes portugueses para que acontecesse essa transmigração. Deparei-me com uma vasta bibliografia em relação à história a respeito das Festas do Divino. Já na parte que diz respeito à literatura, não foi encontrado nada; foi possível escrever algumas informações através das entrevistas.

Procurei sintetizar os dados de como vieram os casais açorianos e quais foram às atitudes e providências para sua adaptacão nas terras do Rio Grande do Sul. Utilizei fontes da história, buscando contribuições úteis para a caracterização das Festas do Divino no município.

Através de relatos bibliográficos, Percebi que a Cultura da Festa do Divino em Osório e Região é prática antiga que perpassa as várias transformações históricas que sofreram a comunidade e toda a região litorânea. A aceitação e a prática da tradição se fez sentir mesmo em culturas diferentes da cultura dominante açoriana, mostrando que mesmo tendo suas origens em outro continente este elemento sócio - religioso cultural chamado de Festa do Divino, suportou a transmigração e o contatos com outros povos de práticas e costumes diferentes. Constituiu-se um importante instrumento de caracterização e perpetuação dos valores do povo açoriano na cidade de Osório.






BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


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APÊNDICE B - Projeto Festa do Divino Espírito Santo
em Osório



FACULDADE CENECISTA DE OSÓRIO FACOS
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CENECISTA MARQUÊS DE HERVAL
NÚCLEO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO/ NEPE
PROJETO: FESTA DO DIVINO ESPIRÍTO SANTO EM OSÓRIO

Objetivo: Integrar FACOS/Marquês com a comunidade e sua cultura sócio, religiosa, popular local, através de eventos em conjunto com as entidades e artistas ligados ao meio.


PROGRAMA:
Exposição de Fotos sobre as Festas do Divino em Osório
Fotógrafa: Sirlei Amaral
Local:Recepção da FACOS
Dia: 11/04/06 Terça – feira
Horário: 7:30 às 22:30

Palestra:
Tema: O significado das Festas do Divino no Município de Osório
Palestrante: Irmã Agata Buss
Local: Auditório da FACOS
Dia:Depois da páscoa
Horário:

Apresentação do grupo “Foliões do Divino Espírito Santo”e vídeo com imagens das festas antigas.
Local:Recepção da FACOS
Dia:Primeira semana após a páscoa
Horário: Noite
Estamos em tratativa quanto ao dia e horário




ANEXO A - Histórico da Festa do Divino Espírito Santo


HISTÓRICO DA FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO

A religiosidade foi um dos maiores legados que a cultura portuguesa deixou para o Brasil. Por todo o país, muitas formas de expressão religiosa denotam claramente a influência de nossos colonizadores. Uma dessas formas, que se destaca por estar presente em praticamente todos os recantos do território brasileiro é o culto ao Divino Espírito Santo, que devota a Terceira pessoa da Santíssima Trindade. O culto ao Divino Espírito Santo nasceu em 1296, na cidade de Alenquer, em Portugal. A então rainha Isabel de Aragão, chamada de Rainha Santa, prometeu instituir um dia de culto caso o Espírito Santo resolvesse as desavenças entre seu marido, dom Diniz, e seu filho. Vendo atendido seu pedido, passou a coroar um mendigo, que se tornava rei por um dia no ano. No Rio Grande do Sul, a tradição vêm desde a chegada dos primeiros açorianos, entre os anos de 1748 a 1756. Durante todo esse tempo, sofreu influência de outras culturas, incorporando novos elementos. Ainda assim, mantém muito da forma original. No município de Osório as Festas do Divino chegaram juntamente com os colonizadores açorianos no ano de 1773. Os tropeiros do Divino que fazem parte atualmente das festas só abrilhantam mais e mais esta cultura sócio, religiosa, e os foliões estão dando continuidade ao seu trabalho passando com fé paras as gerações atuais a tradição destas festas. O Divino Espirito Santo esta representado em Osório pelo império que foi reconstruindo, a replica do império nos reporta aos açores as nossas origens potuguesas . Os devotos do Divino são desde jovens estudantes até os mais idosos é esta devoção que faz com que a festa permaneça e atravesse gerações. Durante as festas em homenagem ao Divino, os devotos pagam promessas, fazem oferendas e rezam.